Bebel que a Cidade Comeu, de Ignácio de Loyola Brandão, retrata, com acidez e sarcasmo, humor amargo e impiedade, um dos períodos mais negros e, ao mesmo tempo, mais criativos da história brasileira, os anos 60. Época de repressão política, de brutalidade, de sufoco, mas também de explosão de uma irreprimível fome de vida, que não era privilégio brasileiro.
Uma espécie de alucinação coletiva em busca de novos horizontes espirituais, de cansaço e revolta com a herança do passado se apossava da juventude, ao embalo da música dos Beatles, no consumo cada vez maior de alucinógenos. As mulheres, exibindo as pernas, sob as exíguas minissaias, conquistavam a definitiva liberdade sexual. Entre a placidez dos anos 50 e a nova década pareciam ter passado cem anos.
Sob o torniquete da ditadura, o Brasil se ajeitava como podia, dançava twist e cha-cha-cha, assistia aos filmes do cinema novo, os jovens se mobilizavam em festivais de música popular, que iriam revelar Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, e tantos outros artistas. A televisão - a "máquina de fazer doido", segundo o seu mais ácido crítico, o cronista Sérgio Porto -, se impunha com a força de um terremoto. Todos queriam ser atores de tevê.
Foi esse também o sonho e a perdição de Bebel, atriz, modelo fotográfico, figurinha fácil em comerciais, um dos rostos mais conhecidos do país e uma das mulheres mais desejadas. Fama, dinheiro, deslumbramento. Com a mesma rapidez com que subiu, Bebel desapareceu da telinha, triturada pela engrenagem da televisão, atirada fora como um trapo imprestável. O público exige sempre novos ídolos.
Romance cruel, mostra como, à semelhança de Bebel, comida pela cidade, toda uma geração de jovens idealistas foi comprimida e deglutida pelo sistema. Dias de chumbo começavam a invadir o Brasil.
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