Nilson Luiz May é médico. Conhece os sofrimentos e os sonhos dos homens. Já os viu em delírios de grandeza e em momentos de pequenez e medo. Está preparado para felicitar pelo nascimento e consolar pela morte. A vida não para. É um ciclo infernal. Aqui se vive, aqui se morre. Médicos costumam escrever bem. Sentem-se atraídos pela literatura. Precisam narrar o que vivenciam.
Certamente os homens são os únicos seres no universo a ter consciência do absurdo que é existir. A existência humana pode atingir níveis de absurdo estratosféricos e escatológicos. Basta para isso que alguns exemplares dessa espécie passem a vida encerrados num ambiente muito especial: uma repartição pública. É disso que trata este livro de Nilson May, exímio conhecedor da obra de Franz Kakfa.
Romance com estrutura de folhetim, poderia, talvez, ser resumido com uma pergunta: quem é o ser encurralado numa repartição: homem ou rato? Um rato, porém, pode ter seus dias de gato. Homens em cativeiro brincam de gato e rato. Alguns são promovidos. Outros, infelizmente, jamais escapam das perseguições.
Neste "Misterioso caso na repartição pública", leva os seus personagens do cômico ao trágico, da ternura ao espanto. O leitor vai junto. Sente-se um desses personagens. Comove-se e indigna-se, questiona e julga. Diverte-se. E reflete. Há uma história nas páginas que seguem. Muitas histórias. Isso é cada vez mais raro nestes tempos de literatura umbilical. O autor quer mostrar um mundo. Esse pequeno mundo se universaliza. Somos nós. É kafkiano. Não podemos escapar. Bem feito.