Numa nação do Oriente Médio, após a fracassada revolução lembrada como Primeira Tempestade, um novo poder se impôs: o Portão. Qualquer atividade que fuja minimamente à rotina diária deve ser submetida à sua aprovação. Há quem defenda que o Portão tem proporcionado uma bem-vinda estabilidade ao país; outros, no entanto, o condenam como injusto e tirano. Foi esse último grupo que saiu às ruas para mais um levante malsucedido – os Eventos Execráveis. Durante a manifestação, sem saber bem como ou por quem, Yehya foi baleado na região pélvica. Agora, para poder realizar a cirurgia de retirada do projétil, ele precisa ir até o Portão – e entrar na fila.
A fila é a aclamada distopia política da egípcia Basma Abdel Aziz. Vencedor do PEN Faulkner Award, o romance faz uso da sátira e do surrealismo para abordar questões urgentes e familiares. A autora conta que concebeu a obra enquanto caminhava pelo centro do Cairo e se deparou com uma fila interminável em frente a um prédio do governo cujas portas estavam fechadas. Horas depois, voltou a passar por lá e percebeu que todos se mantinham exatamente no mesmo lugar – e as portas permaneciam fechadas.
Da mesma forma, em frente ao Portão, a fila não se move ou se dissipa ao longo de horas, dias, semanas, meses. Ela avança por quilômetros e quilômetros, debaixo de sol e chuva. Cada vez mais pessoas, com seus próprios dilemas e motivações, se juntam nessa espera interminável – enquanto uma misteriosa empresa de telecomunicações começa a distribuir celulares gratuitamente e todos os veículos de mídia são sumariamente substituídos por um único jornal chamado A Verdade. O estado de saúde de Yehya vai ficando cada vez mais frágil, ainda que, aos olhos do Portão, seu problema inexista: como oficialmente nenhum tiro foi disparado durante os Eventos Execráveis, é impossível que haja uma bala em sua virilha.
“A ficção me deu um espaço muito amplo para dizer o que eu sempre quis sobre as autoridades totalitárias”, afirmou recentemente a autora, que é ativista dos direitos humanos e, com formação em medicina psiquiátrica, trabalha como voluntária dando assistência a vítimas de tortura. Em A fila, as referências à Primavera Árabe e a acontecimentos recentes no Egito são recorrentes, mas a comicidade absurda e sombria do autoritarismo e da burocracia representados pelo Portão ganha, página a página, tons universais – o que torna a alegoria de Aziz mais pertinente ao “mundo ocidental” do que muitos gostariam de admitir e faz com que a obra se aproxime de clássicos como 1984, de George Orwell, Admirável mundo novo, de Aldous Huxley, e O processo, de Franz Kafka.
“Um retrato impressionante de uma autoridade que reivindica todo o poder, renuncia toda a responsabilidade e força seu povo a repetir inverdades e abraçar sua própria opressão.”
– The Nation