Pascal Quignard tem uma obra vasta, múltipla e erudita. Poética, em todos os gêneros que abordou. A poesia lato sensu entra aí, como forma de representar o mundo, assinatura de uma escrita inquieta que o escritor faz reviver, tornando-a presente num tempo que tem outra rotação, para, em seus giros, fazer retornar e retomar pontos de toque sensíveis para a reflexão da contemporaneidade. Para traduzir Quignard, é necessário que se conheça toda sua obra, na medida em que o nascimento de seu saber e sua elaboração não cessam de se refazer e se retomar, com a diferença necessária que sua leitura impõe. Assim, sua erudição não é uma soma, uma adição de velhas ideias revisitadas. O passado, o outrora, le jadis são portos de contorno de sua escrita, não pontos de um automatismo de repetição. Uma disciplina nevrálgica de nossa época é a retórica que a perpassa, sem ser às vezes reconhecida nos discursos da cultura e da literatura atuais. A tradução de A Razão traz um retórico romano, que subverte a retórica clássica e transpõe, com seus paradoxos, a função do imaginário, do inusitado e do surpreendente para a esfera do romance, da ficção, de preferência à razão e à filosofia. Quando Pascal Quignard escreve este livro, tendo como foco Latrão, faz um tipo de tradução também, pois traduzir, etimologicamente, é dar a saber, trasladar, transferir. Assim, o leitor pode (re)visitar Latrão e sua retórica, com novo olhar, em outra temporalidade.