Os onze contos que compõem Confissões de um anjo da guarda, novo livro de Carlos Trigueiro, são, na verdade, relatos de Mahlaliel, um anjo descrente e rebelde, mas com um currículo invejável: em seus 2.578 anos de idade, custodiou, entre outros, bruxas, rainhas, artistas, jornalistas, prostitutas, espiões, grafiteiros e os precursores dos blogueiros. Ao revelar histórias escondidas entre as saias de uma noviça, perdidas em um vagão de metrô nova-iorquino, saídas da boca de um taxista ou rasgadas em pedaços por um escritor perfeccionista, Mahlaliel traça – se apropriando, é claro, da prosa límpida e irônica de Trigueiro – uma visão ácida do gênero humano.
Seu objetivo? “Quero, sem distinção de etnias, abalar crenças e descrenças”, revela o anjo. “Só assim minha indignação reboará como artefato terrorista em ponto turístico, estação de metrô, ou prédio de embaixada. Não vou anunciar a antecipação do Apocalipse, evento já previsto por leitores terrenos de bom senso, imunes tanto ao febrão neoliberal, quanto ao socialismo de plantão – e aos misticismos industrializados –, e que perceberam a irreversível predação do entorno. Tudo claro. Ciência e Internet estão aí para provar com requintes tecnológicos e animação colorida: durante milhões de anos, a espécie humana não fez a mínima falta. O processo de erosão da terra era natural. Com o homem surgiu a erosão inteligente e lucrativa! Nada lhe escapa. Nem o vácuo. Nem o tempo. O homem conseguiu acelerar o futuro, mas sepultou a esperança de chegar lá.”