Povoemas e outras nascentes

Povoemas e outras nascentes Nadja Rodrigues de Oliveira




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O começo preciosa gema é um dos versos deste livro de estreia da poeta e bailarina brasiliense Nadja Rodrigues de Oliveira. Dentre muitas outras coisas este é, também, um livro sobre gestar e sobre as diferentes formas de nascer e germinar.
Se a potência da semente geradora já está no próprio título: povo, ovo, nascentes, este carrega em seu bojo também a consequência lógica das coisas que são impulsos de vida: são também formas de morrer. Ao que nascer (e morrer) nunca é simples, Nadja nos conduz com sua voz ritmada e encantatória por seus versos elegantes até estarmos muito perto desses núcleos celulares que dançam, caem, amam, se quebram. São como feitiços da fluência que, embora tratem da dureza e da queda, são também macios e táteis. São eróticos.

Dentre as muitas imagens que o livro evoca, a visão da fresta é uma dessas que salta nos poemas. Esta pode aparecer em forma de janela semicerrada, peito que se abre, lábios, ostra ou ferida aberta. Em todo o caso, uma fresta é um lugar de onde se entrevê o outro lado. O ponto ambíguo onde uma coisa encontra outra, onde uma coisa é outra coisa. Onde o começo encosta no fim e as substâncias das coisas ainda parecem estar abertas, prontas para começar. Talvez seja porque são muito antigas, ancestrais de si mesmas, a verdadeira véspera.

Regressas do naufrágio e / trazes no corpo oferendas à vida / um punhado de contas nas mãos / flores concheadas ao ouvido / brotos brancos pavores doces / esqueletos mínimos no bolso

E como quem retorna da morte carregando seus ossos e suas pérolas, Nadja Rodrigues empilha suas palavras com a destreza e a sabedoria dos que dançam, sabendo que é preciso esforço para sustentar um movimento leve e delicadeza para carregar nas mãos o peso bruto do outro – o mínimo sinal do outro. É preciso paciência para entender o ritmo interno de uma palavra, seu temperamento arisco e as milhares de possibilidades de amálgama que ela pode engendrar. Nascer é imenso e estar vivo é impreciso. Cada palavra aqui é um continente obscuro, uma explosão originária.

Assim, a busca pela origem em sentido amplo, seja das palavras, dos gestos ou da própria vida, pode ser encontrada aqui a partir de alguns rastros que a autora deixa com suas referências. Fazendo ecos de Clarice, Freud, João Cabral entre outros fantasmas que sussurram em seu ouvido, – aqui eles não estão nem acima dos céus e nem abaixo da terra – ela nos mostra que estamos todos ao mesmo tempo. Nadja canta numa dicção própria, numa melodia que trama uma forma de permanecer. Assim como o ovo, rito de duração, objeto mítico, ela nos ensina que embora o ovo vele o vindouro, o ovo também é o dom da perda.

Ana Estaregui





Povoemas e outras nascentes

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O ovo é o dom da perda


Foi preciso tomar tempo com a leitura de ?Povoemas e outras nascentes?, pois me senti diante de uma espécie de cerimônia. Nadja Rodrigues de Oliveira descreve, poeticamente, um movimento de entrega, em que atuam vida, desejo e contato. Apresenta o ato de escrever como uma missão delicada de observação: contemplar os mistérios, mas também participar deles. Submissão e manipulação entrelaçadas. Devoção, que convoca a escrevente a introduzir mãos e olhos num lugar-entre: a fenda, a brecha...