Gabriela 12/12/2022
Reconstrução da memória
Libertador. É esse o adjetivo propício para este romance.
A princípio, os fatores que me motivaram a ler Retrato em Sépia foram a própria autora, pois gosto muito de Isabel Allende, e saber que muitos personagens de Filha da Fortuna seriam retomados ? com isso, eu saberia o que aconteceu com alguns deles. No entanto, a história de Aurora Del Valle me prendeu ainda mais do que a de sua avó Eliza, protagonista de Filha da Fortuna.
Devido às condições de seu nascimento, a vida de Aurora é um grande apanhado de apagamentos. O fio de suas memórias se perdeu na primeira infância e tudo de que ela se lembra é dos cinco anos em diante, pois um grande trauma fez com que as memórias anteriores se perdessem. Criada pela avó paterna, Aurora cresce em um ambiente de luxo, mas com regalias incomuns para as mulheres de seu tempo, visto que sua avó não se prende muito a algumas amarras sociais, embora insista na necessidade de um casamento.
É muito difícil fazer uma resenha desse livro sem dar spoilers e, ainda que o Skoob tenha um alerta de spoiler, gosto de escrever para que todos leiam. Por isso, não me prenderei muito ao que o livro conta, mas sim às lições interessantíssimas que ele traz.
Muitos acontecimentos históricos, como a Guerra do Pacífico e a Guerra Civil do Chile, permeiam a narrativa de forma a desvelar o caráter, a ideologia e os pensamentos das personagens. Vejo isso como um recurso muito enriquecedor que Allende sabiamente sempre utiliza em seus romances. Ler Allende e criticá-la pelo pano de fundo histórico me parece inconcebível; ela sempre trata da história: geral, pessoal, emocional. Nisso, a história pessoal da protagonista se entrelaça com alguns acontecimentos históricos na Califórnia e no Chile.
O que Aurora faz é uma tentativa de reconstrução da memória, utilizando-se da escrita e da fotografia para tal. É uma leitura menos apaixonada do que Filha da Fortuna, mas muito mais envolvente ? ao menos, na minha opinião. A relação de Paulina, a avó paterna, e Aurora é tão bonita, forte e libertadora que nos inspira. Da mesma forma, o amor guardado na memória que Aurora tem por Tao Chi?en, seu avô paterno, traz ternura para a narrativa e nos faz perceber o quanto os anos iniciais de nossa vida são cruciais para o nosso desenvolvimento.
Nessa grande colcha de retalhos em que os retalhos aparecem em formato de fotografias ? a grande paixão de Aurora ?, a protagonista registra sua história em ?difusos matizes, velados de mistérios, incertezas?, como um retrato em sépia.