Arine-san 16/11/2017Romance teen clichê, mas interessanteFui uma dessas adolescentes esquisitas que não conseguiam se enxergar (nem ver beleza) em romances como o de Crepúsculo e companhia; e até hoje eu olho para alguns tipos de livros e só consigo pensar "olha, estou velha demais para isso". Porém, um dos livros do gênero conseguiu fisgar minha atenção e, sim, eu preciso falar dele para você!
E, primeiro, preciso dizer que o acerto da Maggie Stiefvater no livro Calafrio não foi em nada mais, nada menos, do que a personalidade da protagonista! A história em si tem aquele gosto de "já conheço" com toques de romance adolescente dramático, mas a construção da personagem principal (e de seu par romântico) compensa todo o dramalhão clichê. Juro!
A história é bem simples. Grace é uma menina que, durante a infância, sofreu um ataque de lobos próximo ao quintal de casa. Enquanto muitas pessoas ficariam traumatizadas com o episódio, ela acabou se apaixonando perdidamente por esses animais - principalmente, por um lobo específico. E é aí que entra o Sam, par romântico da protagonista.
"Era isso que Sam era: intransitório. Uma folha de verão agarrando-se, o máximo que conseguisse, a um galho congelado."
É interessante que nas próprias lembranças de Grace sobre o acidente com os lobos, ela observou um olhar humano e sensível no lobo que, em seguida, sabemos que era o Sam. E então vemos o início de uma história de amor bem improvável, ainda mais quando Grace passa anos a fio observando o "seu lobo", que vez ou outra aparece em seu jardim e parece olhá-la de longe. Isso é um comportamento normal de lobo?
Veja bem, não estamos falando de uma menininha mimada e cheia de vontade, que decidiu porque decidiu que é apaixonada por um lobo. Na verdade, ela não dá nome ao amor que sente pelo lobo e, para a protagonista, tudo pode não passar de gratidão. Afinal, foi aquele lobo específico que a salvou durante o ataque, e ela é grata por isso. Grace é uma personagem muito centrada, responsável e, por assim dizer, solitária no que ela pode ser.
Porém, a história de amor entre esses dois mundos diferentes (o humano e o dos lobos) é possível com a mitologia que a autora cria em sua sua série de livros . Na cidade em que Grace mora, os lobos não são normais, mas tampouco são lobisomens. Durante o frio inverno, eles são animais cheios de instintos e longe de suas vidas humanas; mas é no verão que a transformação acontece e eles convivem em sociedade sem ninguém saber de suas vidas pregressas.
"Eu não sabia que pertencia aqui no mundo dela,um garoto dividido entre duas vidas.Arrastando o perigo dos lobos comigo.Mas quando ela disse meu nome, esperando que eu a seguisse, eu sabia que faria qualquer coisa pra ficar com ela."
O caso é que essa transformação em lobo/humano não acontece durante toda a vida dos lobos. Em geral, quanto mais velho eles ficam, menos comum se tornam essas transformações e mais selvagens eles se tornam. Sam sabe disso, e por isso se manteve longe de Grace mesmo durante sua vida "humana", percebendo que esse amor seria impossível. E ele sente, a cada verão que passa, que está demorando mais e mais para conseguir se transformar em humano.
E é então que em um dia que podia ser tão normal quanto todos os outros, Grace encontra na varanda de casa um homem nu e ferido. Toda a situação é bizarra demais, mas ela olha nos olhos do cara e enxerga o "seu lobo", e por isso bota para dentro de casa e leva para o hospital.
Os lobisomens (que outro nome eu consigo dar para eles, quando a autora não dá nenhum?) da Maggie Stiefvater têm toda aquela história de "recuperação rápida" e maluquices que vemos na ficção. Ela não se preocupa em explicar nada, no sentido de dar alguma justificativa científica para o caso, e foca todo o resto do livro no desenvolvimento do romance entre o gentil Sam e a racional Grace.
"A moça suspirou.
- Isso é tão romântico. Façam-me um favor, não mudem nunca. O mundo precisa de mais amor a primeira vista."
Acho que o ponto positivo desse romance adolescente está na narrativa da autora, e não no seu desenvolvimento. Existem capítulos de Sam e de Grace, facilitando a imersão o leitor nos dois universos que são esses personagens. Porém, a narrativa é inteligente, muito bem escrita e, em alguns pontos, tem até um tom meio reflexivo e poético. Gosto bastante de escritas assim, ainda que elas possam deixar a leitura um tanto lenta em alguns pontos da história.
Outro ponto positivo é muito importante para mim: não temos aqui um romance dramalhão querendo empurrar para o leitor um triângulo amoroso. Não tem coisa que eu deteste mais que triângulos amorosos, que parecem quase obrigatórios nos romances adolescentes de hoje, né. No livro Calafrio, o romance se desenvolve com naturalidade e paz, e ela só é interrompida pelo problema biológico mais óbvio: Sam é um lobo e logo deixará de se transformar em humano.
"O verdadeiro ponto central: Inverno. Frio. Perda."
Isso, aliás, é o que dita um ritmo alucinado nos últimos capítulos da obra. Grace tenta encontrar maneiras de manter Sam humano e aposta em qualquer resposta médica que aparecer. É interessante que a autora não quer construir, exatamente, um "felizes para sempre" descarado. Não em sua totalidade, ao menos. E isso torna a leitura mais instigante e interessante, junto com toda a maturidade emocional dos personagens.
Bem, Calafrio não é o melhor livro de fantasia do mundo, tem seu quê romântico, mas me surpreendeu muito. Tanto que decidi relê-lo recentemente, depois de uma primeira leitura cética há uns anos. Se recomendo o livro? Acho que mesmo que não curte romances adolescentes, pode dar uma chance para o livro que, de certa forma, vai se surpreender também.
Faltou respostas, que eu não sei se a autora dá nos livros seguintes, mas a narrativa é ótima. Porém, esse é mais um daqueles livros que eu acredito que podia ter parado na primeira obra. Para quê mesmo uma série inteira? Nem vou arriscar ler o segundo livro, para não estragar a experiência que já tive durante o primeiro.
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