Davi.Paiva 04/06/2020
Não se deve esperar muito
Quando eu gosto de uma coisa, eu procuro fazer uma análise minuciosa da mesma e saber toda a sua história ou meio de produção. Até hoje eu leio artigos sobre o Ayrton Senna, ouço podcasts sobre os filmes do universo cinematográfico da Marvel mesmo que eu já tenha escutado de outros produtores e vejo vídeos sobre Star Wars ou Avatar sempre que encontro algum legal. Aprendo, confirmo o que já sabia e corrijo erros dos produtores.
E quem me conhece, sabe o quanto eu amo dragões. Criaturas fascinantes que podem virar grandes mestres, inimigos formidáveis ou, a meu ver, a montaria mais temida de um humanoide. Sem contar toda a simbologia desses seres míticos no ocidente e oriente, além das inúmeras discussões que elas geram, mais bobas ou mais complexas: wyvern conta como dragão? E o Boitatá, também conta?
Por isso eu resolvi aproveitar o lançamento deste livro em 12 de outubro deste ano e o fato que um dos meus amigos ter participado da antologia para adquirir um exemplar.
Confesso que tinha grandes expectativas. Tanto pelo fato de ser uma antologia só sobre dragões (ideia que também tenho de produzir há muito tempo) quanto pelo rumor da editora responsável pela publicação ter melhorado desde a minha saída da mesma, em 2015, instruindo participantes através de artigos em sites ou maratonas de escrita com acompanhamento de organizadores.
Infelizmente, foi tudo por água abaixo.
Eu considero a capa de um livro o seu cartão de visitas. E esta, a meu ver, não é ruim. Mas também não é boa. Escamas com uma letra bonita, que mais parecem de convite de casamento? Sem contar que tais escamas parecem tijolinhos. Ou seja: uma capa que não me diz nada.
O texto da contracapa está interessante. Curto e atraente, como tal tipo de texto tem que ser. Infelizmente, assim que você abre o livro, não encontra nenhuma introdução, para adentrar no tema e se sentir confortável no embarque pela leitura. Tudo bem que esta editora já publicou introduções em que os organizadores babavam ovo em cima dos seus próprios projetos como se tivessem ganho um Prêmio Jabuti pela criação dos mesmos (King Edgar Hotel) ou cagaram uma regra para depois jogar tudo no lixo (Xeque-Mate, onde o organizador cita regras para criação de contos policiais de Todorov. Sendo uma delas que o detetive não pode ser o assassino e que o fantástico não é permitido no tema policial. Bacana se não fosse por um detalhe: o organizador criar um conto sobre um detetive vampiro que mata pessoas e coloca a culpa na conta dos outros!). Todavia, não é cortando a introdução que isso se resolve.
A antologia reúne 24 autores com 24 contos (não dá para saber se todos são brasileiros, pois a antologia não vem com estas informações nas minibiografias). Dos 24, 9 fizeram sua primeira publicação neste livro, 11 já publicaram em trabalhos anteriores da editora e só 4 são de fora (uma delas até publicou na Darda, que é a editora com a qual trabalho). E destes 24, 3 são indicados ao Prêmio Strix, o prêmio da editora para quem produz o melhor conto. Um deles é o que abre a antologia. Creio que a ideia do organizador foi começar com alguém impactante e que pudesse fazer valer a pena.
Infelizmente, mais uma vez, foi tudo por água abaixo.
Vamos começar falando do tema da antologia: a maioria dos autores preferiu trabalhar com o mito do dragão ocidental, com corpo reptiliano, asas, sopro de fogo e comportamento selvagem ou com inteligência para maldade. Um ou outro deu uma leve desvirtuada colocando comportamento de dragões orientais (sábios, benevolentes, protetores, etc.) em ocidentais. Isso não quer dizer que seja algo original. Até uma obra mediana como "Eragon" já faz isso há muito tempo.
Além disso, tais dragões eram, em sua maioria, caça ou caçador. Um ou outro autor teve sorte de usar um tropo do dragão divino, dragão humanoide ou até do dragão que se transforma em ser humano. Dragão guardião de tesouros? Dragões mascotes? Cavaleiro de dragão? Infelizmente, faltou pesquisar o site do TV Tropes ou mesmo o blog do meu amigo Lucas Palhão, que tem traduzido os artigos e publicado em sua página. Sem contar boas fontes de materiais sobre dragões, como podcasts, artigos em revistas e tudo mais que divulgo em meu quadro #Dragões_De_Quinta
Agora vamos falar sobre como produziram o gênero conto: tive sorte quando não encontrava um conto "contado", que é um desses casos em que a história é toda relatada por um narrador sem ser vivida e refletida pelos personagens. Sem contar os momentos que os autores enxugavam tanto seus textos para pegar uma cota menor de vendas que acabavam criando trabalhos secos e com passagens de tempo muito longas. E infelizmente, tive o desprazer de ler um conto tão ruim que me fez gargalhar em uma estação de metrô, pois sua primeira parte parecia a introdução de um romance e o texto todo... também.
Sobre as técnicas de escrita: uma coisa que sempre digo é que as escolas públicas formam funcionários para o mercado de trabalho, as escolas particulares formam candidatos para faculdades, a faculdade de Letras forma professores e o curso de Jornalismo forma gente apta a dar uma notícia. Logo, ninguém tem obrigação de formar escritores criativos.
O que isso acarreta na antologia: autores que não sabem manter o Ponto de Vista centrado em um personagem (ou se sabem, não dão valor a isso), não trabalham as descrições de itens necessários ou que colocam um Deus ex Machina uma, duas, três ou até quatro vezes! Pelo menos o pessoal lá aparenta saber a diferença entre diálogos e incisos. Já é um avanço.
E por último, os valores que a antologia carrega: ódio aos humanos, cultura do estupro e neologismos tão ruins que tive que entrar em contato com alguns autores para entender o que eles queriam dizer com eles.
Inspirado no sistema da Amazon, tentei ler os contos como um mero leitor e encontrei tantos erros que resolvi pegar um lápis e anotar o que eu estava encontrando de errado, além de atribuir uma nota de 0 a 5, podendo ser fracionada.
Os resultados foram:
0: nenhum.
0,5: 3 autores.
1,0: 3 autores.
1,5: 4 autores.
2,0: 3 autores.
2,5: 4 autores.
3,0: 5 autores.
3,5: 1 autor.
4,0: nenhum.
4,5: 1 autor.
5,0: nenhum.
Somando tudo, temos 49,5. Divido por 24 (quantidade de autores), temos a média de 2,0625. Mediana (maior nota mais a menor nota e resultado divido por 2), temos 2,5.
O que isso significa, a meu ver?
Que não se deve esperar muito da antologia. Faltou conhecimento técnico e muito conhecimento temático para criar algo memorável.
Por último, se eu for atribuir uma nota ao organizador, daria nota 2 de 5. Os descontos são pela falta da introdução, os neologismos, a cena de estupro desnecessária, a sequência de contos ruins no meio do livro, a falta de originalidade entre os dragões e as minibiografias que nem incluem contato com os autores.
E para não dizerem que sou um carrasco, considero o melhor conto da antologia o texto "O Segredo", de Larissa Corregio (foi ela que levou nota 4,5 de 5). Ela conseguiu criar uma trama com uma abertura tão boa quanto pequena (bem a essência de um conto), manteve um Ponto de Vista unificado e seu enredo apresenta uma curva dramática, clímax e desfecho.
Sem mais.
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