Arthur 27/06/2018Histórias do tempo: um relato pessoal luftiano reflexivo e romanceadoLya Luft é um autora gaúcha que iniciou a sua carreira literária em 1980 com o romance "As parceiras". Com uma escrita peculiar, bastante intimista, costuma trazer realidades duras de maneira delicada, suavizando, de certo modo, a brutalidade do narrado com a sua impressão ora poética, ora confessional. Seus romances são protagonizados, conforme a estudiosa de sua obra Maria Osana de Medeiros Costa, por "uma legião de mulheres perdedoras", que enfrentam problemas familiares, dilemas pessoais e a presença de um patriarcado que, apesar de estar em declínio, ainda as oprime. Além de romances, Luft é autora de poesias, contos, crônicas e, inclusive, um gênero próprio, que mescla todos esses a um relato pessoal, algo como uma autobiografia ficcionalizada, mas permeada de diversos nuances típicos dela. É nesse último gênero que se enquadra "Histórias do tempo".
O referido livro possui um ar autobiográfico, porém romanceado e reflexivo. Com isso, seu discurso intimista assume diversas facetas: ora de desabafo, ora de segredo, ora de uma espécie de história que se conta para as crianças, ora de reflexão, ora de exortação, ora de (auto)análise... É uma espécie de texto que oscila entre o tom de crônica, autobiografia, romance, autoajuda e poesia, sendo não apenas entremeado por poesias da autora, mas pela própria escrita que assume nuances poéticos.
Desse modo, em "Histórias do tempo", caminhamos por veredas já conhecidas do universo luftiano (como a casa, a infância, o ser desajustado, as fantasias a respeito de figuras mágicas, a relação com a escrita, com a família, com suas próprias aflições, com o mundo), enquanto ela faz surgir uma Altéria (seu duplo, a imagem refletida no espelho, mas que, na verdade, não simula/reproduz seus atos, mas corresponde a seus desejos mais profundos, seu ímpeto transgressivo, aquela dentro de si que não se conforma) em oposição a uma Medésima (sua existência "real", que se esforça por corresponder às expectativas da família e da sociedade, mas que vive em uma corda bamba entre o obedecer e o transgredir). Nas páginas desse livro, mergulhamos em diversas histórias (modo como a autora entitula os capítulos, por eixos temáticos que se entrecruzam e, na verdade, refletem a coesão de sua obra), histórias essas, antes de tudo, histórias do tempo, controlado por três irmãs responsáveis por fiar, uma dando linha, outra tecendo e outra decidindo a hora de cortar a linha e dar cabo à tessitura.