Gramatura Alta 22/01/2021
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Lançada originalmente em 1992, TRAÇO DE GIZ é uma das realizações mais representativas de Miguelanxo Prado. O quadrinho se tornou um clássico das HQs europeias e o mais premiado da história da Espanha! Foi agraciada com o prêmio de Melhor Álbum Estrangeiro no Festival de Angoulême, Melhor Álbum no Salão de Quadrinhos de Barcelona e indicado aos prêmios Eisner, na categoria Melhor Pintor/Artista Multimídia, e Harvey, na categoria Melhor Quadrinho Estrangeiro.
Uma tempestade em alto mar leva o barco de Raul até uma pequena ilha com um farol. No lugar, vivem apenas duas pessoas: Sara, a dona de uma espécie de pousada, que serve de loja e de restaurante; e seu filho, Dimas. Além da casa e do farol, que não funciona, só existe mais o estranho cais de concreto branco, imenso, que se estende para dentro do mar por mais metros do que seria necessário, e que segundo a narrativa, se assemelha a um traço de giz na imensidão azul.
Quando aporta, Raul percebe que existe um outro barco atracado, que pertence a Ana, uma mulher que chegou alguns dias antes dele e que parece estar à espera de alguém. Em um primeiro momento, Raul tenta se aproximar de Ana, mas ela não se mostra disposta e se mantém à distância.
Aos poucos, com o passar dos dias e após muita insistência, Ana resolve dar uma chance de conhecer Raul, mais movida pela intenção de o convencer a ir embora da ilha. Isso porque Sara havia contado a Ana que sempre que aportam três embarcações, uma tragédia acontece. Ana deseja que Raul vá embora antes que a pessoa que ela aguarda chegue. Nesse meio tempo, um terceiro barco aparece, trazendo dois homens, sendo que um deles já conhecia a ilha. E conforme Sara previa, com a chegada deles, iniciam-se eventos que fogem do controle e resultam em morte.
Na história não existe nenhuma construção do passado dos personagens. O leitor não sabe de onde vêm, para onde vão, quem são, o que fazem, e, ao contrário do que seria de se esperar, isso se mostra desnecessário, não afeta em nada a obra. O que importa é o que acontece naquela ilha, naquele momento, com aquelas pessoas. O que elas eram antes de chegar à ilha ou que irão virar quando saírem, não importa.
Raul é um homem que veleja pela distração. Ele se apaixona por Ana devido ao mistério que ela desperta, à forma como ela se mantém longe dele. O desafio e as respostas afiadas e grosseiras que Ana lhe dá, o conquistam mais do que o afastam. E Ana está obcecada pela espera de alguém que deveria chegar em algum dia do mês de junho. Ela pretende esperar até o dia primeiro de julho. Esse compromisso, que nem ela sabe se irá se concretizar, impede que ela veja em Raul alguém de quem ela poderia gostar.
Sara e o filho possuem óbvios segredos. Eles são vagos nas respostas e nos motivos de viverem em um local tão isolado. O que possuem na loja para vender, é criado e plantado na ilha, ou é o resultado de barganhas que realizam com outros viajantes que passam pelo local. Nem sequer o farol é uma justificativa para permanecerem ali, uma vez que não funciona e não há nenhum responsável pela manutenção.
As conversas que acontecem entre esses quatro personagens, parecem triviais, sem uma finalidade para a evolução da história. Isso até que o terceiro barco chega, e até que se finaliza a leitura. Quando a história termina, os diálogos passam a fazer sentido, mas, ao mesmo tempo, nada do que aconteceu faz um real sentido. Eu precisei parar e pensar. Voltar as páginas, reler algumas conversas, reler os trechos do diário que Ana escreve de noite em seu barco, reparar nos desenhos e nos personagens mais uma vez. E então pensar de novo.
A editora cita que a estranheza do final se assemelha ao espanto que acontece no filme O SEXTO SENTIDO, aquele com Bruce Willis onde o garotinho via pessoas mortas. Eu considero um erro de comparação. Não existe o sobrenatural em TRAÇO DE GIZ. Não é uma história de fantasmas. A comparação mais próxima, seria com a série de televisão LOST. Aí sim, no quadrinho existe uma semelhança imensa com o seriado.
TRAÇO DE GIZ não tem uma história que vai fundir sua cabeça. Pelo contrário. É um quadrinho que navega pelo caótico e cruel comportamento humano, sobre relações, sobre machismo, sobre vingança, e termina de uma forma que brinca com o tempo. Parece passar a mensagem de que nos perdemos quando tomamos decisões covardes e egoístas. E essa percepção de que não vivemos de forma linear, é o que faz o leitor voltar as páginas e procurar pelas respostas. A genialidade de TRAÇO DE GIZ está nessa obrigatoriedade. Uma obra que exige raciocínio e indagações de quem lê, é uma obra que atingiu seu objetivo.
Por fim, os desenhos de Prado são incríveis. Detalhista ao extremo, suas composições de cena, as cores, as expressões dos personagens, as paisagens, tudo é deslumbrante e profundo. Vários quadros seriam perfeitos para serem transferidos em tamanho grande e pendurados em uma parede, ficarem em exposição. A edição em capa dura também é muito luxuosa, com vários extras e um pequeno texto do autor. É uma obra para se ter na estante, com certeza.
Se você já leu TRAÇO DE GIZ, com certeza ficou com muitas perguntas. Eu descrevo no blog as minhas conclusões.
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