Andreia Santana 07/09/2010
Traição, culpa e incesto entre irmãos são ingredientes de novela trágica de Tolkien
O mundo paralelo criado por J.R.R. Tolkien ainda rende surpresas. Dos manuscritos do criador da saga O Senhor dos Anéis, seu filho Christopher Tolkien, resgata Os Filhos de Húrin, uma trágica novela ambientada na primeira era de Arda, ou Terra Média, universo mitológico do autor, povoado por elfos, espíritos de luz e trevas, anões, dragões e humanos ora em conflito, ora em aliança.
A história já havia sido publicada em versão menor nos Contos Inacabados (organizados postumamente por Christopher) e em O Silmarillion (sua mais longa coletânea de novelas e contos sobre os tempos antigos de Arda). A diferença deste novo lançamento no Brasil o livro sai pela Martins Fontes Editora é que o filho de Tolkien encontrou nos manuscritos do pai uma versão mais bem acabada da malfadada história de amor entre Turín Turambar e sua irmã Niënor, com detalhes que não constam nas versões anteriores.
Referências - O conto dos filhos de Húrin (ou Narn I Chín Húrin na língua criada pelo autor para a Terra Média), é uma das narrativas que, na divisão que ele promoveu da história de Arda, corresponde aos dias anteriores a dominação de Sauron e à forja do anel do poder, da trilogia de O Senhor dos Anéis. O romance de Turín e Niënor lembra a tragédia imortal de Romeu e Julieta (William Shakespeare) e o incestuoso caso de amor de Jocasta e Édipo, em Édipo Rei (Sófocles), mas com o toque fantástico de Tolkien.
Ele se desenrola logo após a chegada dos homens à Terra Média, antes habitada pelos elfos e outras criaturas e sob a dominação de Morgoth, o primeiro senhor do escuro e mestre de Sauron.
Separados na infância, Turín e Niënor se re-encontram já adultos, para cumprir a maldição lançada sobre sua família por Morgoth. Incesto, traição e culpa, além das épicas guerras dos elfos e humanos contra a dominação do senhor do escuro, levam as personagens a atitudes heróicas e passionais, mas com desfechos fúnebres.
Católico praticante e grande amigo de C.S. Lewis (As Crônicas de Nárnia), era de se esperar que um romance incestuoso em uma obra de Tolkien tivesse desfecho trágico. Ainda assim, não deixa de ser uma atitude pioneira tocar em um tema tabu, ainda mais quando a história foi escrita em 1919.
Recuperação - Para os leitores pouco acostumados à maneira de Tolkien contar histórias, a linguagem do livro é densa e a atmosfera opressiva; em alguns trechos, angustiante. Ainda assim, aos que escolherem acompanhar as desventuras de Turín e Niënor, iniciadas com a maldição lançada sobre seus pais Húrin e Morwen, as pouco mais de 300 páginas reservam uma viagem inesquecível pelas origens da Terra Média.
As ilustrações são de Alan Lee e, ao final do volume, Christopher Tolkien apresenta mapas, glossário dos personagens e um apêndice onde conta o processo de recuperação do manuscrito.
Quem é John Ronald Reuel Tolkien nasceu em 3 de janeiro de 1892 na África do Sul, filho de pais ingleses, mudou-se para a Grã-Bretanha aos três anos de idade. Formado em letras e especialista em filologia, serviu como soldado na I Guerra Mundial. Nesse mesmo período começou a escrever.
Após o conflito, dedicou-se a uma reconhecida carreira acadêmica como professor na Universidade de Oxford e à consolidação da mitologia da Terra Média. Outras obras póstumas são Mestre Gil de Ham e Roverandom.
=======================
P.S.: Só um lembrete aos marinheiros de primeira viagem na área de literatura. Uma resenha é uma leitura comentada, uma análise com base na obra lida e em outras obras do autor resenhado - além de outras leituras do resenhista. Resenha é texto jornalístico, tem de ser informativo e analítico ao mesmo tempo. Quem não quer saber detalhes da história ou quem vive caçando spoilers, jamais deve ler uma resenha e sim apenas um resumo. Porque o resumo é só uma apresentação da obra, sem aprofundamento crítico e sem análise.