jota 20/09/2011Risos e lágrimasEste é um daqueles livros que mesmo antes de acabar você sabe que vai ficar com saudade dos personagens. Porque eles são tão humanos que parecem gente de verdade, especialmente os irmãos Homero e Ulisses Macauley, entre outros. Enfim, é uma história encantadora que merece até mesmo uma releitura. Li A Comédia Humana duas vezes.
A história que se passa em 1942, durante a II Guerra Mundial. A ação se desenvolve em Ítaca, cidadezinha da Califórnia, pacata e humana. Uma sequência de quadros simples, cotidianos, que emolduram as experiências humanas e de trabalho do adolescente Homero Macauley, estafeta (como o autor) da agência postal e telegráfica local. Perdera o pai, o irmão mais velho, Marcus, fora para a guerra e ele teve de procurar um trabalho para ajudar a família.
Num crescendo de poesia e emoção, Saroyan leva o leitor a identificar-se com o drama do jovem que se vê de improviso chefe de uma família perturbada pela guerra.
Uma das passagens mais tocantes do livro ocorre quando Homero tem de entregar a uma senhora mexicana, um telegrama do Exército. Ela não sabe ler inglês e pede que Homero lhe leia a mensagem. Ele já fazia ideia de que o telegrama informava à senhora a morte do filho, mas não estava preparado para lhe contar isso, de modo algum. Ele era apenas um menino que trabalhava para ajudar sua família; milhões de pensamentos lhe vêm então à cabeça. É uma cena em que ficamos com um nó na garganta; que vai ficar na mente do rapaz como um aviso, a martirizá-lo. Passa a temer que o irmão soldado jamais volte para casa, que um dia um desses telegramas chegue à agência comunicando a morte de Marcus. Teria ele de entregá-lo à mãe?
E com várias histórias tristes e alegres (estas em maior quantidade, felizmente) a narrativa vai avançando. Até que um dia acontece o pior. Um dia, numa loja de ferragens de Ítaca, o pequeno Ulisses (atenção para o nome da cidade e de alguns personagens) fica preso numa armadilha para capturar animais selvagens. Não bastasse isso, continuam chegando os terríveis telegramas do Exército para as famílias de Ítaca...
Mas fiquemos com o parágrafo inicial, pleno de poesia e encantamento, como todo o livro, aliás:
"O garotinho Ulisses Macauley estava, um dia, perto da nova toca de uma toupeira, no quintal de sua casa, na Avenida Santa Clara, em Ítaca, Califórnia. A toupeira, do buraco, jogou para fora um pouco de terra úmida e piscou para o menino, que certamente era um estranho, mas, talvez não um inimigo. Antes que o milagre fosse completamente apreciado pelo menino, um dos pássaros de Ítaca voou até uma velha nogueira que havia no quintal e, depois de pousar num galho, desatou a cantar, desviando a fascinação do menino da terra para a árvore. Depois, melhor de tudo, um trem de carga resfolegou e rugiu ao longe. O menino ficou escutando, e sentiu que a terra tremia debaixo dele com o mover do trem. Começou então a correr, movendo-se (assim lhe parecia) mais depressa que qualquer coisa no mundo." (Tradução de Alex Viany, página 11, edição Abril Cultural, 1974)
A comédia humana, de William Saroyan, é seguramente mais que um clássico moderno. É um livro inesquecível.