Delírios e Livros 07/12/2015
Eu pensava que conhecia essa história, assim como muitos pensam que conhecem. Tudo que eu vi em documentários, filmes e notícias sobre o acidente, sobre o fato de eles terem comido os corpos dos amigos mortos etc. não chega nem aos pés da realidade vívida e cruel descrita em A Sociedade da Neve.
“Os sobreviventes – 29 logo após o acidente, 27 no dia seguinte, dezenove depois da avalanche, e por fim dezesseis – tiveram de construir uma comunidade regida pela incerteza e pelo pavor. Uma experiência radical numa disputa contra a adversidade, que preparava emboscadas seguidas e punha à prova toda sua capacidade de suportar a dor, a frustração e as humilhações. Isso fez com que regredissem aos primórdios dos tempos, a estágios anteriores a qualquer civilização conhecida, para começar do princípio e aprender tudo de novo, deixando no caminho 29 companheiros, familiares e tripulantes.”
Até ler esse livro, eu não tinha noção do tamanho do horror vivido nas cordilheiras. Eu não tinha a mínima ideia de como essa catástrofe mudou os sobreviventes e a forma que continua mudando milhares de pessoas, através desses 16 indivíduos que superaram todas as adversidades, lutando frente à face da morte.
“Naqueles últimos dias de moribundo, tinha aprendido que a vida é algo que se deve merecer, que não se ganha de presente, e que para merecê-la é preciso dar alguma coisa, afeto fundamentalmente, como fizemos com os amigos vivos e mortos durante todos aqueles dias.”
Em A Sociedade da Neve podemos acompanhar através dos relatos, a incrível luta pela vida que se seguiu mesmo depois do regate naquele dia 22 de Dezembro de 1972. A forma como eles tiveram de reerguer a cabeça diante as críticas da sociedade e a dor de conviver com os familiares daqueles que ficaram nas Cordilheiras para sempre.
“Que os heróis, se os houve, foram os feridos que depois morreram, pois não me ocorre ato mais louvável do que, em vez de se lamentar e pedir por compaixão quando sabiam que não tinham chance de escapar, transmitir ânimo para nós, que ainda conseguíamos caminhar.”
Na minha opinião, A Sociedade da Neve está entre os melhores livros que já li. Obtive através dessa leitura uma experiência surreal, onde pude viver momentos que não vivi. Entreguei-me tão intensamente às palavras descritas nesse livro, que me desloquei para fora da minha realidade e vivi a realidade desses 16 sobreviventes.
“Há também a questão da restrição ao sofrimento. Descobrimos na montanha que o ser humano pode impor limites ao sofrimento, e provavelmente – essa é uma visão pessoal -, também à felicidade. Nossa capacidade de sofrer e de ser feliz é relativa.”
Muitas são as mensagens de amor ao extremo, puro e totalmente cru, relatadas nessas páginas. Mas sinto que a maior de todas as mensagens é a de que todos temos nossas próprias Cordilheiras para superarmos. E que qualquer situação pode ser resolvida, por mais difícil que seja. O que conta de verdade é o esforço e a vontade que temos de sobreviver a tudo.
Termino essa resenha com essa citação que também me tocou bastante:
“Não existe na sociedade civilizada, em nenhuma escola, em nenhuma faculdade, uma matéria que ensine como se deve viver para morrer bem. Alguém está preparado para morrer? Já pensou nisso? Quando eu morri na avalanche, levei comigo os afetos, as emoções da minha vida e nada mais. Pude observar a mim mesmo por milésimos de segundo desde o alto, e vi que o meu corpo não levava nenhuma bagagem.”
Espero que vocês tenham gostado, até a próxima leitura!
Resenha de Priscilla Paiva
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