Toni 03/11/2020
A fonte da autoestima
Toni Morrison (EUA, 1931-2019)
Cia. das Letras, 2020, 456 p.
Publicado em 2019 e organizado pela própria autora, A fonte da autoestima poderia ser considerado—caso seus romances não cumprissem esta função—o testamento de Toni Morrison. Ainda que tenha sido corretamente traduzido, o título original (The source of self-regard) carrega sentidos irrealizáveis para 1 única palavra do português. Self-regard é, com efeito, autoestima, mas é tb um aceno para o sentido próprio do verbo “considerar, ter respeito” (regard) em direção ao sujeito da fala (self). Tendo isso em vista, os ensaios aqui reunidos não se fundamentam apenas na construção da autoestima (negra, feminina, literária), eles são um convite para que acadêmicxs, escritores, pensadores, leitores, críticxs de arte, historiadores possam refletir sobre a própria prática e seu papel num mundo racializado definido por uma indiferença patológica.
Os textos estão divididos em três partes: ‘O lar do estrangeiro’ (sobre políticas da memória, gestos de apagamento e questões prementes da cultura), o interlúdio ‘Black matter(s)’ (inteiramente dedicado ao lugar da raça no pensamento acadêmico e artístico), e ‘A linguagem de Deus’ (mais voltado à literatura, à arte da escritora e à capacidade da ficção de humanizar o passado). É claro que todo o livro é atravessado pelo debate sobre raça porque, para Morrison, “a construção da raça e suas hierarquias têm um poderoso impacto na linguagem expressiva, assim como a linguagem interpretativa, figurativa, impacta poderosamente a construção de uma sociedade racial”. Mas falham aqueles leitores que enxergarem “apenas” através dessas lentes. Como sugere a própria autora na introdução, seus escritos são uma resposta ao caos, às formas de violência física, simbólica e psicológica de déspotas em um “mundo de recursos viciados, de riquezas escandalosas, desavergonhadas, acachapadas, com todo o seu gigantismo vaidoso, diante dos despossuídos”. Frente a esse quadro, a literatura “afia nossa imaginação moral” e é um convite à insensatez, uma recusa às “metas de segunda categoria e ideias de segunda mão"—racistas, gananciosas e desumanizadoras.