Lodir 16/01/2012É difícil falar de alguns livros sem citar da capa. Algumas vezes para apontar o desleixo que a editora teve com ela, outras para mostrar como foi um fator determinante na descoberta da obra e na motivação de comprá-la. No caso de “Camundo – O Desenho e a Sombra”, há algo importante a se frisar: a capa, assim como todos as ilustrações internas que dão início aos capítulos, foram produzidas por Nanuka Andrade, o próprio escritor. Antes de o leitor ter a oportunidade de descobrir se o brasileiro é um bom escritor ou não, desta forma, ela já pode constatar que Nanuka tem sim algum talento. A capa de “Camundo” é belíssima, muito bem desenhada, uma capa que condiz com o conteúdo do livro em si e é capaz de fazer o leitor parar para admirá-la em uma livraria. O melhor de tudo é que, enquanto estava autografando o livro, Nanuka Andrade aproveitava seu talento para fazer caricaturas dos leitores que estavam na fila. Todos adoram levar um livro autografado para casa, mas quem não amaria ter um com sua própria caricatura dentro? Nanuka tem um diferencial competitivo enorme, que provavelmente nenhum outro autor tem. Agora que você já sabe que ele é um bom desenhista, resta saber o mais importante: seu talento passa também pelas palavras?
Em “Camundo”, somos levados à cidade de Curitiba da década de 20. A história do garoto que dá nome ao livro começa em um orfanato, onde ele passou sua vida inteira sem ter notícias de parentes e à espera de uma adoção. Tudo muda quando o diretor do lugar sofre um acidente ao cair de uma escada, fato que Camundo já havia previsto através de um desenho. Sim, assim como o próprio autor da obra, Camundo também é desenhista. A diferença, obviamente, é que o garoto pode antecipar o futuro com as ilustrações que faz, geralmente envolvendo alguma tragédia. O dom, claro, lembra muito um dos personagens da famosa série de televisão americana “Heroes”.
Dessa forma, Camundo foge do orfanato em meio ao caos e é levado pela camareira até o casarão de Elano Duarte, um homem que ela acredita saber o que fazer com a nefasta habilidade do menino. Vivendo lá, sob os cuidados do homem, Camundo descobre que o velho já conhecera sua mãe e que ela tinha o mesmo dom, e até deixou uma carta tentando explicá-lo. O que o velho insiste em esconder dele, no entanto, é que há uma perigosa organização secreta, que atende pelo nome de Asseclas do Lagarto, que pretende explorar sua habilidade com finalidades malignas.
“Camundo” é um daqueles livros sobre uma criança ou adolescente que descobre ser especial de alguma forma, precisa lidar com esse dom e enfrentar algum vilão interessado nele. É, claro, uma fórmula criada após o sucesso de Harry Potter, que levou centenas de títulos com esta temática a pipocarem nas livrarias. O que faz de “Camundo” um livro especial entre os outros é justamente algumas boas sacadas de Nanuka Andrade, que salvam toda a obra em si. “Camundo” não tem apenas um super poder; ele desenha o futuro, o que o transforma em uma espécie de vidente. Enquanto tentamos acompanhá-lo na busca por respostas sobre o seu passado, ficamos ansiosos durante toda a narrativa para ver o garoto finalmente colocar seu talento em ação. Quando Camundo finalmente pega o lápis e faz seu primeiro desenho no livro, já passando dezenas de páginas, é como se acompanhássemos esse momento ao lado do personagem e sentíssemos sua emoção e a importância que isso representa a ele.
Nanuka Andrade escreve muito bem. Ele consegue facilmente transportar o leitor até a antiga Curitiba, situando-o com tranqüilidade. Os cenários são descritos apenas com os detalhes que importam, sem cansar. A narrativa de Nanuka atinge o ponto certo; ele não descreve demais, é ágil e consegue dar um bom ritmo entre os diálogos e as cenas de ação. Enquanto mostra uma escrita charmosa e que cativa desde a primeira parte, o livro ganha mais ação na segunda metade, tornando-se ainda mais dinâmico. Os personagens principais são cativantes. O tímido e apático Camundo dá o tom infantil e inocente que a trama precisa. Malini, a minha personagem favorita, é esperta e rápida, sem deixar ninguém enganá-la e sempre alertando os outros quando necessário.
“Camundo”, no entanto, falha em alguns pontos. Há alguns erros de digitação no livro e muitos erros de pontuação, que incomodam algumas vezes e são o problema principal da obra, e que já foram apontados em outras resenhas. Há também um excesso de personagens masculinos apresentados logo no início, alguns desnecessários, que atrapalham e confundem o leitor, já que não são muito bem construídos. O livro, na verdade, ganharia se fosse mais curto – principalmente se tratando de um infanto-juvenil – e tivesse menos idas e vindas de cenários, como acontece o tempo todo no casarão. Ainda assim, são erros comuns em estréias de escritores brasileiros e em nenhum momento atrapalham de fato a leitura ou deixam “Camundo” um livro não menos que prazeroso.
O segundo volume de “Camundo”, intitulado “O Signo Oculto”, chega às livrarias em 2012, com previsão para agosto, na Bienal de São Paulo. Será o segundo livro da trilogia (e também já ganhou uma capa maravilhosa). “Camundo”, desta forma, torna-se uma excelente série brasileira ambientada em uma época interessante – um dos seus pontos fortes – e que, pelo o que se diz sobre a trama do segundo livro, tende a melhorar ainda mais. Tudo leva a crer que em “O Signo Oculto” Camundo precisará enfrentar mistérios que ultrapassam a tecnologia e o tempo, tornando a trama ainda mais interessante e intrigante que neste primeiro volume. Agora é esperar até agosto e tentar desta vez sair com a minha própria caricatura.