Aline 01/06/2011
Surpreendente, confuso e incrível
Pesquisando sobre a autora, Kelly Link, acabei descobrindo coisas ótimas sobre ela. E outras bem curiosas, também. Na própria orelha do livro, tem a seguinte informação:
O primeiro livro de Kelly Link, "Stranger Things Happen" foi considerado o livro do ano pela Salon e pela Village Voice. (...) O estranho mundo de Zofia e outras histórias é considerado um dos livros da década por The Onion, The Village Voice e HTML Giant, além de ganhador dos prêmios Locus Award Winner, Young Lions Award, Bram Stoker, e finalista do World Fantasy.
Nada mal para primeiro e segundo livros, certo?
Mas, o que me chamou a atenção mesmo [e o que representa muito bem a escrita e capacidade de surpreender da autora] são as últimas palavras da orelha:
Kelly Link ganhou uma viagem de volta ao mundo respondendo à pergunta "Por que você quer viajar ao redor do mundo?" ("Porque não se pode passar por dentro dele.")
Botem fé, ela ganhou uma viagem ao redor do mundo com essa frase.
Preciso dizer: a mulher é dona de uma criatividade assustadora.
Tirei essa conclusão antes mesmo de terminar a leitura, porque TODOS os contos do livro se mostraram tão surpreendentes quanto o último. São originais em todos os aspectos. Eu nunca, em toda a minha vida leitora, encontrei outras narrativas que tivessem temas ao menos um pouquinho similares. Uma hora é uma bolsa completamente bizarra e uma avó vinda de um país maluco e que, agora, vive feliz dentro da bolsa atemporal feita com pele de cachorro. Depois, são coelhos num jardim de uma casa no subúrbio que observam constantemente enquanto tudo (sabonetes, TV, um roupão, escritórios, escovas de dentes e até o filho do casal) fica "assombrado" e ninguém suporta usar ou se aproximar. Outra hora, são pessoas que se casam com mortos e seus filhos nascem mortos, porque a vida é um gene recessivo, como os olhos claros das pessoas. Em outro momento, tem um conto sobre um programa de TV bizarro, outro sobre uma loja de conveniências chamada "Noite-Inteira" e uma mulher com fantasmas de cachorro no carro.
Freak? É, a lógica vai por essa linha mesmo. Você pegou a essência.
Portanto, eu deixo bem claro, como disse lá em cima mas não custa repetir: se você não é chegado em narrativas estranhas, surpreendentes e que, no fim, não deixam nada explícito que faça sentido, não leia esse livro. Não gaste seu dinheiro comprando. Não passe perto dele. Porque, como consta na contracapa, "Kelly Link é a mais pura e distinta surrealista da América".
E vocês sabem, certo? O surrealismo serve pra isso mesmo. Pra ser surreal e deixar a gente confuso, quebrando a cabeça tentando achar algum sentido, por mais invisível [ou inexistente] que ele seja.
Ah, outro aviso: esse não é um livro pra crianças ou pré-adolescentes ou pessoas jovenzinhas demais (tanto de idade física quanto mental). Eu juro que achei que era quando comprei. Sabe como é, né. Capa bonitinha, fantasia, a primeira história fala de uma adolescente... me enganei. Já no terceiro conto (tirando os acontecimentos meio nebulosos e um pouco sombrios dos anteriores, que não significaram muita coisa, existem milhares de histórias sombrias perfeitamente boas, não importa a idade) encontrei um trecho que cita uma situação um tanto quanto inesperada: uma transa dentro de um canhão. E transa não foi a única palavra que ela usou, havia alguns "fodi" e "fodeu" no meio. E, depois, essa transa continuou durante um voo dos personagens que transavam. Tudo porque o marido da moça acendeu o canhão, fazendo eles serem arremessados no ar.
É.
De qualquer forma, se não fosse isso, eu manteria minha opinião. Não é um livro pra criança ou pessoas com a cabeça meio... bom, "jovem", pra não dizer "em processo de amadurecimento". Que acabei falando da mesma forma. Não por causa desses trechos, mas a narrativa em si pode exigir mais interpretação do que alguém sob essas condições seja capaz de oferecer. Não pela idade em si, pois tem pré-adolescentes por aí com uma competência leitora muito melhor do que a de muito adulto. Mas enfim, acho que deu pra sacar o que eu quis dizer.
No geral, agora expondo a MINHA forma de ver o livro, posso dizer que adorei. Principalmente porque entendi o quão genial foi o trabalho da autora ao dar tamanha liberdade pro leitor. Essa é a melhor parte do livro: cada um que ler vai tirar suas próprias conclusões, vai procurar sua própria interpretação e vai dar ouvidos a sua própria forma de ler, sem se preocupar nem um pouco com o que a autora realmente quis passar. Comprovei isso quando compartilhei uma parte dele com minha amiga, mostrando um trecho que achei genial. Depois, comentando o trecho, falei algo sobre a interpretação que eu fiz dele e, logo de cara, ela disse: "nossa, sério que você entendeu isso? Eu entendi uma coisa completamente diferente!".
E, quer saber? O que deixa a obra tão fantástica, não é o que ela diz, mas o que ela permite dizer. No fim das contas, ela só mostra os caminhos, a gente escolhe qual quer. Ou cria novos. Tanto faz. No fim das contas, dá tudo na mesma: lugar nenhum e horas da mais pura criatividade.
Conclusão:
Se você sempre se limita nas suas leituras e não gosta de se aventurar em novas descobertas literárias, não leia. Se você, além de apreciar essas coisas, entende que cada estilo é um e eles te levam pra lugares e sensações diferentes, leia, leia e leia, porque, provavelmente, você vai se divertir, se surpreender e acabar com um novo limite pra imaginação (se é que um dia existiu algum, o que eu, sinceramente, não acredito nem um pouco).
Espero que você faça parte do time dos aventureiros e, se não for, espero que esteja pronto para começar.