Patrick 24/01/2017
Materialismo Histórico-Dialético
A resenha abaixo é um trabalho feito por mim para a disciplina "Teoria Social e Organizações" da Universidade Federal do Paraná. Logo, o objetivo principal é expor os conceitos.
"A presente resenha tem por objetivo explanar aspectos pontuais presentes na obra A Ideologia Alemã, escrita majoritariamente por Karl Marx entre os anos de 1845 e 1846. O livro consiste em uma coletânea de diversos manuscritos do sociólogo, publicados após sua morte e organizados por Friedrich Engels. Embora existam várias edições na língua portuguesa, é importante salientar que essa análise da obra A Ideologia Alemã foi embasada na edição HUCITEC, de 1993.
O livro pode ser dividido em três partes fundamentais: A - A ideologia em geral e em particular a ideologia alemã, B - A base real da ideologia e C – Comunismo. Há ainda outras divisões presentes nesses capítulos, além de um prefácio, uma breve introdução e, ao menos nessa edição, alguns anexos como anotações e partes suprimidas do texto original.
Logo no início da obra, Marx esclarece que um dos principais objetivos de sua argumentação é debater os conceitos defendidos pelo filósofo Hegel e seus discípulos, os jovens neo-hegelianos. Para o autor, o idealismo, que está diretamente relacionado ao mundo das representações e evoca, inclusive, o “mundo inteligível” de Platão, apresenta-se como uma concepção falha, por não estabelecer um vínculo entre as teorias e o mundo material.
O idealismo de Hegel pressupõe que diversos pilares da sociedade, tais como política, economia, direito e moral, estão submetidos à esfera das representações, ou seja, são frutos da consciência humana. Essa teoria é veementemente debatida por Marx em A Ideologia Alemã. “Eles, os criadores, renderam-se às suas próprias criações” (MARX, 1993, p.17).
Karl Marx argumenta que os homens diferem dos animais por produzirem os seus meios de vida. Além disso, o autor afirma que o trabalho real corresponde à essência do ser humano. Essa concepção é bastante clara no seguinte trecho do livro: “O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de produção” (MARX, 1993, p.28). É importante ressaltar que “trabalho” é considerado toda ação humana que visa produzir algo a partir da natureza para criar os meios de vida do indivíduo, não sendo necessariamente sinônimo de “emprego”.
Um dos principais conceitos que Marx estabelece em sua obra é o “Verkehr”, traduzido como intercâmbio. Esse vocábulo diz respeito às relações materiais e espirituais existentes entre indivíduos, grupos sociais e até mesmo nações. Segundo o sociólogo, o intercâmbio fez-se presente em diversos momentos da história, nas diferentes ocasiões de divisão do trabalho, ou seja, distintas formas de propriedade, que são explicados posteriormente no livro.
Segundo o autor, é possível discernir as formas de propriedade em quatro tipos. A primeira forma é tribal, momento histórico em que a propriedade é coletiva e a divisão do trabalho é quase inexistente fora do âmbito familiar. Depois, Marx esclarece a propriedade comunal ou estatal, comum na Antiguidade, em que a propriedade privada incluía os escravos e a divisão do trabalho é mais evidente. A terceira forma de propriedade é a feudal ou estamental, momento no qual o feudalismo engendrou novas relações de trabalho entre nobreza e servos. Essa última forma de propriedade fomentou diversas das observações de Marx.
Após a formação da sociedade feudal, houve a necessidade de se estabelecer relações comerciais e de troca – intercâmbio – entre os indivíduos. Dessa forma, a ascensão da classe burguesa tornou-se possível, e a propriedade de terras, outrora pertencente à classe nobre, passou a ser detida em grande parte pelos burgueses na modernidade. Assim, Marx esclarece que a nova propriedade, a chamada corporativa, impõe diversas alterações na sociedade.
A primeira delas é concernente ao auge da divisão do trabalho. Esse fato, a despeito de desenvolver as forças produtivas, torna o processo de produção algo praticamente insuportável para o trabalhador. Nesse sentido, Marx argumenta que as condições de trabalho relativamente abrangentes e agradáveis presentes, por exemplo, nas corporações de ofício da Idade Média extinguem-se. “No interior da divisão social do trabalho, as relações sociais adquirem uma existência autônoma” (MARX, 1993, p.119). Com isso, o autor infere que, na modernidade, o trabalhador não mais se reconhece no trabalho que realiza.
Outro aspecto que sofreu alteração diz respeito à maior competitividade presente nos meios de produção. O aumento da manufatura tornou o comércio algo vinculado à política e ao intercâmbio internacional. Desse modo, a influência do Estado na propriedade privada foi reduzida drasticamente, ao passo que a interdependência entre os indivíduos no cenário trabalhista aumentou em grandes proporções.
Contudo, Marx também relata diversos impactos da propriedade privada corporativa que transcendem o ambiente trabalhista. Para ele, a classe dominante impõe as suas ideias ao restante da sociedade. Em outras palavras, as ideias que os membros das classes não dominantes possuem são externas aos indivíduos. Assim, o interesse coletivo tem forma autônoma, distando muito dos interesses individuais.
Karl Marx comenta acerca do pensador Feuerbach. Embora este, ao contrário de Hegel, considere importante o mundo sensível e material, o autor relata que as ideias continuam demasiadamente restritas. Por exemplo, na análise antropológica, Feuerbach analisa o homem no seu conceito abstrato e imaterial, pois desconsidera diversas das relações sociais sob as quais o indivíduo está condicionado. Além disso, Marx estabelece uma crítica à passividade do filósofo, que se limita apenas à contemplação do mundo sensível. “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo” (MARX, 1993, p.14).
Nessa perspectiva, o autor propõe mudanças de grandes proporções, pois constata mazelas oriundas da nova forma de propriedade. “Através da concorrência universal, [a grande indústria] obrigou todos os indivíduos ao mais intenso emprego de suas energias. Destruiu, onde foi possível, a ideologia, a religião, a moral etc.” (MARX, 1993, p.94). O sociólogo defende a existência de uma massa revolucionária que se revolte contra o sistema de produção de vida existente, rumo ao comunismo.
Na última parte de A Ideologia Alemã, Karl Marx esclarece que o comunismo não é uma mera representação (como defenderia Hegel), mas sim uma sociedade utópica e alcançável por intermédio da revolução. Portanto, a revolução tem o fito de alterar o panorama em que apenas a classe dominante é a definidora das ideias das demais classes, de modo a estabelecer uma sociedade coletivista. “Apenas na coletividade é que cada indivíduo encontra os meios de desenvolver suas capacidades em todos os sentidos; somente na coletividade, portanto, torna-se possível a liberdade pessoal.” (MARX, 1993, p.116-117).
Em vista do apresentado, é evidente que Karl Marx estabeleceu uma forma de observar a sociedade distinta dos demais pensadores até aquele momento. Hegel priorizou um suposto mundo ideal, mas intangível. Feuerbach realizou a análise e a observação do mundo sensível em detrimento de interferências ou modificações daquilo que contemplava. Durkheim observou a divisão do trabalho como responsável pela coesão social. Karl Marx, porém, propõe uma revolução, rumo ao comunismo, de modo que o trabalhador consiga se identificar com sua atividade e consiga também conquistar a liberdade individual através do coletivismo. Sem dúvidas, A Ideologia Alemã é uma obra que merece ser analisada com afinco."