Ana Aymoré 22/02/2019As infâmias de StiggerA coletânea de contos, publicada como objeto-livro na sua acepção mais literal (o formato, devido à proporção e ao papel artboard utilizado, faz do próprio volume um anão), foi minha primeira leitura de 2018. Seria um indício das tensões e infâmias que marcariam o ano?
.
Ler Veronica não é tarefa fácil. Não dá pra buscar aqui aquela função consoladora e evasiva da ficção - pelo contrário, nos contos (também de proporção diminuta) de V.S. o absurdo, o nonsense, o grotesco e a ultraviolência se encontram com a realidade contemporânea nas formas mais contundentes.
.
Em conversa recente, a própria Veronica enumerou algumas situações em que soube que sua obra tinha provocado reações negativas e agressivas - incluindo uma senhora trajada com elegância que, inconformada, lançou o volume como tijolo contra o balcão de uma famosa livraria paulista, berrando que se tratava de um livro ofensivo. Mas em que consiste esse (suposto) caráter insultante da literatura de V.S.? Talvez o excesso de violência, sangue, miolos e tripas, que atravessam seus contos. Em Veronica, o horror da violência é uma forma de ressignificar o mal banalizado com o qual convivemos todos os dias, e que só se adensa e se alastra num contexto de ascensão dos fascismos (não podemos nos esquecer que os contos foram escritos há cerca de uma década, tornando-se terrivelmente premonitórios). Também relaciona essa violência sem motivo e sem sentido à emergência de uma sociedade do espetáculo, que transforma o absurdo em cena para consumo. O que há de tão diferente entre o linchamento dos anões na padaria suburbana ou a morte dos atores que despencam do teleférico sob aplausos, e o assassinato, gravado e divulgado em grupos de whatsapp, da travesti Dandara?
.
Sim, num sentido convencional, a obra de V.S. não se aproxima do estereótipo edulcorado de uma "escrita feminina" - para muita gente, talvez não seja mesmo sequer literatura. Mas, para nós outros, é uma experiência importante e necessária. Como no último conto, que utiliza o fac símile da certidão de nascimento da autora, é tudo verdade - ou quase.