I. de Rohan @izabelderohan 14/12/2021
Vem comigo que eu vou explicar a razão de ser do Amor de Perdição. Se você já leu o livro, leia essa resenha. Se você ainda não leu o livro, também leia essa resenha.
A história trágica do livro de Camilo Castelo Branco é a seguinte: um casal de apaixonados que não pode ficar junto por causa de suas famílias patriarcais que se baseiam fortemente em cima da honra e da permanência das castas sociais do século anteriores, visto que a obra se passa no século dezenove, momento de mudanças grandiosas. No meio dessa necessidade de se amar do casal Simão e Teresa, Simão acaba assassinando dois empregados de Baltazar, primo e marido em potencial de Teresa. Assim, Simão permanece escondido na casa de um ferreiro que foi ajudado por seu pai, um corregedor, e se sente em dívida com a família de Simão. Hóspede da família, Simão conhece Mariana, que se apaixona perdidamente por ele.
História bem simples, certo? Mais ou menos.
Vamos a história trágica de Camilo Castelo Branco. Camilo era um namorador nato que conhece Ana Plácido, uma outra poeta casada, e começa um tórrido e bem exposto caso de adultério (por parte dela). Na época, adultério era crime por parte da esposa. Ou seja, a esposa não poderia trair o marido, porém, o marido poderia ter todas as amantes que desejasse. Todos sabiam desse caso e o marido de Ana começou a ser pressionado pela sociedade portuguesa a dar parte de Castelo Branco, pois as outras esposas e outros homens (potenciais amantes) poderiam começar a ter ideias... Bom, mantendo os costumes sociais, lá foi o marido de Ana Plácido dar parte de Camilo. Os dois foram presos (Ana em um lugar terrível, juntamente com seu filho e a babá – isso mesmo que você leu, o filho e a babá, coitada). Camilo escreveu dois livros em cárcere (Memória de Cárcere e esse, Amor de Perdição), e por que ele escreveu Amor de Perdição? O que estava acontecendo enquanto o romance era escrito? O indício, o julgamento (vamos colocar nesses termos mais populares) do caso de adultério. Caso Camilo e Ana fossem ditos como culpados, os dois poderiam sofrer a pena de morte. Então, nosso autor escreveu a defesa de seu próprio caso. Se Simão, que ama tanto Teresa, matou duas pessoas e você, leitor, acha que eles deveriam terminar juntos e livres, por que não Camilo e Ana, que nem mataram ninguém, e o único crime foi... amar demais?
Preste atenção nos artifícios utilizados por Camilo. O casal patologicamente apaixonado; os pais liderados pela honra e cegos para os filhos; Simão, o homem nobre; Teresa, uma donzela prometida a um casamento sem amor e por dinheiro; Mariana, a tentação pura que Simão nega e por aí vai.
Também temos na obra numerosas críticas contra a sociedade vigente. Contra os religiosos aos montes e sem vocação para o trabalho com a fé, a sucessão de bens, a clausura de jovens com finalidade de correção e a impossibilidade do amor verdadeiro.
Não devemos associar a vida do escrito diretamente à obra de arte, mas... acho que podemos fazer algumas exceções.