Paulo Sousa 29/09/2018
Um coração singelo, de Flaubert
Livro lido 6°/Set//47°/2018
Título: Um coração singelo
Título original: Um coeur simple
Autor: Gustave Flaubert (FRA)
Tradução: Luís de Lima
Editora: @roccodigital
Ano de lançamento: 1877
Ano desta edição: 2014
Páginas: 88
Classificação: ??????
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"Seus lábios sorriam. Os movimentos de seu coração afrouxaram aos poucos, cada vez mais vagos, mais suaves, como uma fonte seca, como um eco desaparece; e, ao exalar o último suspiro, ela acreditou ver, nos céus entreabertos, um papagaio gigantesco, pairando acima de sua cabeça" (Posição no Kindle 524).
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Felicidade, a personagem desta novela, passa meio século servindo a mesma patroa, numa vida de abnegação e dedicação em detrimento de sua própria vida. Isso porque, numa série de perdas, se vão o noivo, a quem ama verdadeiramente, o sobrinho, morto numa cidade distante por uma doença avassaladora, a patroa, a cuja morte precoce da filha ainda jovem, vem definhando desde então, e a um velho amigo que simplesmente a esquece. Todos mortos, perdidos, esquecidos. Existências que se desligaram da pobre Felicidade, dona de um coração terno e sincero. Como é comum na sociedade em que vive, Felicidade encontra no seio da religião o consolo necessário para suportar tantos desmandos e infelicidades...
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Certa feita ela ganha de presente um papagaio - Lulu era seu nome - a quem dirige toda a afeição que seu bom coração pode despender. Cuida no animal com tamanho esmero que, à morte de Lulu, Felicidade se opõe a enterrá-lo: manda empalhar a ave e a guarda num quarto onde costuma manter as quinquilharias que foi acumulando e de onde pode, vez ou outra, admirar a ave.
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Tamanha afeição que a figura estática de Lulu toma, na cabeça de Felicidade, a forma do Espírito Santo, e a veneração pela ave redobra quando nossa infeliz personagem convence o padre local a permitir que a ave ganhe um lugar numa procissão. Vendo o seu objeto de veneração no lugar - que a seu desejo - lhe cabe, o estranho mistério da (des)construção da imagem pelo ser acontece, e é quando Flaubert usa da sua maestria para adornar essa pequena obra com um belíssimo "finale", digno por si só.
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Faz alguns anos li Madame Bovary, um dos primeiros clássicos que enfrentei. É um grande livro, merecidamente incluído na série A da literatura mundial. Por tabela, soube que Julian Barnes, um autor que me apetece, escreveu seu romance "O papagaio de Flaubert" baseado nessa pequena grande novela e é maravilhoso esse bate-rebate de obras literárias que se justapostam num emaranhado de desdobramentos e efeitos que qualquer leitor adora. Preciso ler o livro de Barnes. E preciso revisitar Flaubert. Vale!