Quincas Borba 20/12/2023
"Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas!"
(Chegou a hora de fazer uma versão mais contundente e precisa de um dos meus livros favoritos, então sim: será longuíssima!)
"Quincas Borba" é um romance de Machado de Assis, escrito em formato de folhetim entre 1886 e 1891, mas lançado só em 1892 (embora impresso em 91).
Ambientado no Período Imperial, a história acompanha Rubião, um ex-professor que recebe a herança do filósofo Quincas Borba, com a condição de que cuidasse do cachorro do velho, também chamado Quincas Borba. Mudando-se de Barbacena, Minas Gerais para a cidade do Rio de Janeiro, onde conhece o casal Palha, Cristiano e Sofia, que acabam o enganando, enquanto se envolve na teia de intrigas e interesses que permeiam a capital.
"Quincas Borba" é deixado de lado em relação a outras obras de Machado, como seus dois grandes clássicos "Memórias póstumas" e "Dom Casmurro", e até mesmo "Helena" e "Esaú e Jacó" são mais lembrados que esse livro. Porém, acredito que "Quincas Borba", embora não seja o ápice da escrita de Machado (isso seria os dois primeiros romances mencionados) ainda assim é o melhor de todos (e olha que eu li todos os romances).
O narrador aqui é em terceira pessoa, o que o deixa livre a vontade para discorrer e criticar diversos assuntos, ao contrário dos narradores em primeira pessoa comuns na fase realista; o narrador é muito mais "babaca" aqui: ele zomba do leitor inúmeras vezes, como no episódio onde é revelado que o adultério de Sofia era balela; ele escarnece de personagens, como o próprio protagonista e a pobre D. Tonica; e até zomba da morte de personagens. Também intervém diretamente para contar um ou outro acontecimento pelas rosas, ou pela lua. É uma das melhores partes do livro.
A escrita de Machado continua afiada. Aqui, a crítica é mais à sociedade do que o Brasil em si, embora não falte ironias a respeito. Os temas explorados são o adultério, a ganância, a luxúria e a soberba, representados no triângulo das relações entre o casal Palha e Rubião. Também são tratados diversos temas políticos, principalmente quando a narrativa foca no dr. Camacho, típico político populista e fraudulento, e em Teófilo, dessa vez um político mais tradicional e burocrata, que negligencia a família a favor dos negócios públicos.
Também há críticas bastante incisivas sobre os pensamentos científicos da época de Machado, como o darwinismo social ? expressado na fórmula da teoria do Humanitismo, do filósofo Quincas Borba ? que pregava a superioridade racial; no entanto, essa teoria é subvertida quando quem é eliminado é Rubião por sua riqueza! Com os Palha prevalecendo e recolhendo suas batatas.
O meu tema favorito é o da loucura, que Machado explora tão bem quanto já explorou em "O alienista". Aos poucos, vemos o declínio de Rubião, enquanto enlouquece por conta de Sofia, pensando ser o imperador Napoleão III da França, levando à passagens lindas e trágicas, como o episódio dos garotos gritando "ó gira!" a um Rubião delirante, ou a morte do protagonista, acompanhada de pompas imaginárias que refletem seu estado na história.
E a forma como Machado descreve situações, personagens e estados mentais é tão incrível que dispensa comentários! Apenas leia trechos da obra para perceber a beleza.
Os personagens, embora não sejam lá os mais carismáticos, servem bem o propósito para que foram escritos, e cada um tem temas e temas dentro de si.
Major Siqueira e Tonica vão descendo a medida que o casal Palha cresce, e Tonica até perde seu marido;
Se você acha a questão do "traiu ou não traiu" polêmica, vai ficar intrigado em se perguntar: D. Fernanda agiu por bem? Ou para parecer boa?
Carlos Maria, o narcisista medalhão, e Maria Benedita, sua sarcedotisa que dá "a luz a um deus";
Camacho e Teófilo se envolvendo em teias de intrigas políticas de maneiras bem anti-éticas;
O casal Palha, luxurioso, enganador, com seus dilemas éticos e morais, que suga a riqueza de Rubião;
O filósofo Quincas e suas ideias malucas para justificar a existência e a necessidade do mal;
O Rubião e sua paixão por Sofia, que se metamorfoseia em loucura;
E o Quincas Dog, que é um universo de interpretações: qual seu lugar na história? Sua importância? O seu significado? Estaria lá a alma do filósofo falecido?
Existem outros aspectos, sobre como a geografia é usada direto para definir estados mentais ou econômicos dos personagens, a influência da França na cultura, a Inglaterra nas finanças, a corrupção da Guerra do Paraguai, e até a possível alegoria de Rubião: seria ele o Brasil? O ignaro Rubião, que lembra "rubiácea", família da planta do café? Nunca saberemos!
"O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens."
Obrigado por ler. Ao vencedor, as batatas.