Dylan Dog Nova Série - Volume 9

Dylan Dog Nova Série - Volume 9




Resenhas - Dylan Dog Nova Série - Volume 9


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Paulo 26/12/2023

Como diz o tradutor Julio Schneider no prefácio deste número, as melhores histórias do Dylan Dog são aquelas que brincam com o pior inimigo do protagonista: ele mesmo. Paola Barbato mostra por que é uma das melhores roteiristas da Sergio Bonelli ao levar o nosso personagem às raias da loucura. É um terror psicológico dos mais finos, usando e abusando de mensagens escondidas espalhadas pela trama. Muitas vezes nossa maneira de enxergar o mundo pode ser o nosso maior vilão ao nos impedir de enxergar os reais problemas que nos cercam. Tentamos encontrar uma zona segura ou um local onde nos sentimos confortáveis, mas quando isso é tirado de nós, o medo que isso é provoca chega a ser irracional.

Neste número, vemos um Dylan Dog quebrado, sendo perseguido por todos os lados seja pelo novo inspetor Carpenter, ou o misterioso John Ghost. Como detetive do sobrenatural não tem um cliente há meses e Groucho tenta tirá-lo da sua velha casa na Craven Road para visitar seu amigo Bloch para um almoço amigável. Só o que a dupla não contava é que o locatário da casa aproveitasse a saída de Dylan para colocar uma ordem de despejo bem na porta. Tendo cinco dias para deixar o imóvel, o Old Boy se vê em uma situação irreversível, tendo toda a sua vida virada de cabeça para baixo. Depois de uma briga com Groucho, ele transforma a sua casa em um tipo de bunker e é aí que sua percepção de realidade vai por água abaixo. Sem conseguir distinguir o que é real ou não, Dylan precisa entender o que aconteceu com ele e como encontrar a "saída" desse lugar onde ele se encontra.

Os irmãos Cestaro nos entregam um belo trabalho nessa edição. Isso porque ela exige dos artistas uma dobra da realidade. A arte precisa ser estranha para poder refletir a mente instável do protagonista. Por essa razão, vemos momentos em que ora a arte é precisa e correta, com um belo detalhamento do cenário e do plano de fundo e ora ela é meio surrealista e quase suja, com o emprego de uma boa dose de tridimensionalidade e estranheza. Não é uma arte que me agrade porque acho o design dos personagens meio exagerado e esticado demais, mas ela combina propriamente com a proposta de Barbato aqui. Tem vários easter eggs bem legais para o leitor buscar no cenário com referências a Star Wars, a Alien e a vários outros elementos da cultura pop. Se os irmãos procuraram representar a imaginação do Old Boy, ele é um belo de um aficcionado por cinema. Outro ponto que queria destacar é a habilidade deles com a colocação de sombras e silhuetas pelo cenário. Algumas das cenas são belíssimas como quando Dylan e Frannie estão juntos em um quarto. Há uma bela representação da luz entrando pelas janelas e entrando em contraste com a sombra no fundo que representa quase que uma prisão para o personagem, impedindo-o de sair desse mundo estranho.

Essa edição tem um roteiro primoroso porque ela te deixa tenso do começo ao fim. A gente se sente preso dentro de um quarto escuro junto com o personagem. O desespero do Dylan é palpável e vamos acompanhando progressivamente o quanto ele vai perdendo contato com a realidade. Pensar que boa parte da narrativa se passa somente dom Dylan sozinho vagando sem rumo sendo incapaz de entender o que está passando. E o pior: sabendo que aquilo tudo é um fruto de seu próprio descolamento da realidade. Dylan é um personagem que prefere se manter em uma espécie de imanência, onde tudo permanece o mesmo do começo ao fim. É o jeito que ele tem de controlar aquilo que o cerca. Posso até dizer que o personagem é um maníaco por controle. Quando as coisas começam a mudar, sejam as relações, sejam as formas de se comunicar ou a própria fundação de seu ser, Dylan se debate e perde a noção de que passos deve dar para seguir em frente. É basicamente isso o que se sucede nessa edição. Diante do possível despejo, Dylan poderia ter encontrado outra base de operações e recomeçado suas atividades. Não é algo tão grave assim. Mas, a casa na Craven Road representa sua história, sua imanência, sua incapacidade de seguir adiante.

Seu desespero é tão grande que ele começa a duvidar de Groucho. Aliás, o personagem que esteve ali por tantas e tantas décadas ao lado do Old Boy, de fato, sempre foi bastante misterioso. Ele esconde isso através de piadas e bravatas, sempre caindo naquela coisa de nunca saber quando ele está brincando, sendo sarcástico ou falando meias verdades. Diante de um desespero tão grande, Dylan começa a se questionar quem é este que esteve por tanto tempo ao seu lado. Claro que isso também vem em grande parte de uma reação adversa de seu desespero que passa a criar inimigos por todos os lados, mas é uma pergunta que sempre fizemos. Barbato parece que não vai responder isso agora, mas parece que Dylan não vai desejar ficar sem uma resposta honesta por muito mais tempo. Por outro lado, com a própria cabeça do personagem fora de prumo aqui, tudo e todos são entendidos de forma distorcida. Alguns dos personagens que surgem na imaginação de Dylan possuem conexões reais e outros não. A propósito: que sacada genial a ideia do Bruno. Deixo para os leitores ficarem curiosos para entender quem é esta pessoa que é bastante hostil ao personagem desde que o vê em um primeiro momento.

Dylan entra em um estranho mundo onde se vê confrontado com a dicotomia entre permanência e mudança. Algumas coisas que acontecem a ele nesse mundo que se coloca diante dele são bastante convenientes. O personagem se encontra em uma situação tão desesperadora, que suas faculdades como detetive simplesmente não funcionam. Ele não desconfia de nada que se coloca ao seu redor. Simplesmente entende que aquilo é como é, e busca encontrar um local seguro para se recuperar ou pelo menos fazer uma ideia do que está acontecendo com ele. Só que a questão central que se coloca diante dele é ele está satisfeito com essa nova realidade segura e permanente? Dylan teme tanto a mudança que está disposto a se colocar fora da realidade em um lugar que apenas fornece aquilo que ele deseja? Às vezes um mundo tão perfeito onde as coisas funcionam do jeito que queremos não passa de uma armadilha, com garras que nos arrastam para o lado mais profundo do subsolo. Apesar de que pode ser que o Old Boy realmente deseje isso. Resta saber o que o coração dele vai decidir ao final desta história.

Das Cinzas às Cinzas é uma belíssima história cujo final nos deixa de cabelo em pé. Não olhe as três páginas finais antes de ler a história toda porque temos alguns desdobramentos que prometem ser quentes para as próximas edições. O roteiro da série continua de altíssima qualidade e a arte se encaixa com a proposta apresentada pelo roteiro. Ao final, tenho certeza que os leitores estarão com o cérebro fritando com as possibilidades deixadas por essa edição. Com certeza nada está normal como dantes.

site: www.ficcoeshumanas.com.br
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