Mirelle 11/12/2012
O Senhor do Falcão
Elencada como uma das mais renomadas romancistas históricas da Itália, Valeria Montaldi [jornalista e crítica de arte] – autora de outros grandiosos sucessos literários como "O Monge Inglês" [best seller no Brasil] e "O Mercador de Lã" [vencedor dos prêmios Ostia Mare di Roma, Frignano e Cittá di Cuneo] – se destaca em seu romance "O Senhor do Falcão" [premiado com o prestigiado Selezione Bancarella], mormente, pela opulência e erudição de seu já conhecido personagem "frei Matthew" – equiparado, desde sua “estreia” em “O Monge Inglês”, pela crítica literária, com o suntuoso "monge William de Baskerville" do clássico "O Nome da Rosa", de Umberto Eco.
Eivada de uma voraz habilidade narrativa, somada a um perfeito relato histórico [e verossímil] da época que ambienta a trama, Montaldi recheia deliciosamente “O Senhor do Falcão”, com alguns personagens fictícios, outros não, mas, igualmente, complexos, dando majestosas companhias ao leitor, além do nosso “herói” frei Matthew. Uma mulher misteriosamente assassinada; uma criada fugitiva, que some, sem deixar pistas, com um bebê recém-nascido e o deposita às portas de um mosteiro; um homem, dotado de uma extrema ruindade, que luta a todo custo pelo poder; uma vidente; um excomungado imperador; um sombrio, mas valente falcão; uma enigmática mística de penetrantes olhos verdes; uma moça portadora de uma deformidade física que motiva seu constante sofrimento; um médico judeu e a sua prendada filha; uma amargurada prostituta; um jovem casal apaixonado; um castelão deveras bondoso e um frade em busca de sentido à sua própria existência.
Numa fascinante restituição do medievo, nos remetemos à Milão de 1226, século XIII. Quando Martino, o cão de pelo ruivo – sob os olhares de seu dono, um pequeno menino; e sob a companhia de um homem alto, de olhos claros, “descarregador de barcos”, que se aproximara deles – encontra(m) flutuando, sob as águas do canal do Vettabbia, o cadáver de uma jovem mulher com recentes indícios de parto – sem qualquer sinal de um suposto “recém-nascido” por perto.
Decorridos dezessete anos do evento trágico, o respeitado abade do mosteiro de San Simpliciano, Arnolfo da Sala, atordoado mediante antigas desconfianças que afloram em sua consciência sobre a estranha e inexplicável morte daquela jovem, encarrega, a partir daí – “por baixo dos panos” – nosso “herói” – frei Matthew – de desvendar delicado “mistério”.
Com reflexos de perseguição e supressão por toda parte, numa árdua e incessante busca da Inquisição Católico-Romana em abolição aos movimentos heréticos e contra o próprio imperador Federico II, o frei dá início à sua "missão", percorrendo lugares por si já conhecidos, como o Broletto [centro político e comercial da cidade], o bosque de Quadronno e, até mesmo, o hospital do Brolo, introduzindo aos seus planos de busca, através de sua passagem inicial pelo local, as histórias que ouve de Isaac [médico judeu] e de sua linda filha Rachele. Contudo, seu encontro com a vidente Guglielma – mal conceituada pela Igreja Milanesa – que norteará os planos do frei, dando-lhe um sinal para resolver o mistério.
De outro lado, Bella – a prostituta – encontra, pela primeira vez, nas proximidades do Broletto, seu mais assíduo “cliente”, chamado Lanfranco Calgario. Contudo, com a frequência dos encontros, Bella, ao reconhecer suas já envelhecidas feições, igualmente, entra em estado de “pânico” na hipótese de ser identificada: Lanfranco [temível homem, frio e cruel], sobrinho-neto do arcebispo de Milão, de um contínuo visitante do Palácio Gisalbertini, em Calepio, onde Bella laborava, transformou-se rapidamente em “noivo” de sua ex-patroa Caterina, tudo há quase vinte anos.
Já Allegranza, uma bela e doce moça de olhos castanhos e de longos e espessos cílios [criada do hospital do Brolo, onde cuidava dos adoecidos], após uma conversa com Guglielma [a “Boêmia”], coloca o enfermo, mas respeitável médico, Isaac, e sua filha Rachele em seu caminho: a “esperança” tão próxima [embora “perigosa”, diante da perseguição contra qualquer espécie de “heresia”] de cessar seu “sofrimento” – isto é, sua nem tão grande, mas notável deformidade física. Todavia, antes mesmo de encontrá-los, Deus faz surgir em seu caminho, Damiano, que – encantado com sua beleza – fisga seu coração.
Quando pensamos ter esgotado todas nossas expectativas em relação ao enredo, Montaldi sutilmente nos desvenda – com uma surpreendente habilidade narrativa – novos “mistérios” que nos transportam a um “universo” apartado entre dois extremos: “realidade” e “fantasia” – onde, juntas, transcendem nosso poder de imaginação.