bardo 21/09/2023
Reler O Processo de Franz Kafka trouxe-me um misto de sensações contraditórias, mas posso dizer que o desconforto e a quase impenetrabilidade do texto permanecem. Em que pese sua inegável importância e suas qualidades, definitivamente não é uma leitura agradável.
Algo extremamente incômodo é o caráter ambíguo da obra, não me recordo de na primeira leitura ter sentido tanta repulsa pelo protagonista, se é certo que as engrenagens que se fecham em torno dele não chegam a inspirar simpatia, a afirmação inicial que parece remeter a inocência é aos pouco minada.
Se a conduta das figuras femininas não é exatamente exemplar, em mais de um ponto temos a impressão de que K não nutre exatamente bons afetos pelo feminino, fica a impressão de que o narrador quer nos fazer ver que se o Processo não parece ter uma base legal clara por outro lado o réu de fato está longe de ser inocente. Um dos capítulos incompletos aumenta essa desconfiança contra K, o texto é escorregadio, mas parece sugerir em mais de um ponto que não sabemos tudo sobre ele..
O posfacio do tradutor ajuda a entender melhor o caráter fragmentário e a decisão em manter a ordem proposta pelo testamentário do autor, por seu valor histórico porém fica a incógnita de como seria a leitura de versões com ordenamentos alterados. A inclusão de um apêndice com os capítulos incompletos também foi muito bem vinda.
Em suma O Processo é um livro fragmentário, estranho, ambíguo, de leitura não tão acessível (não pela complexidade do texto, mas por sua lógica absurda), com um protagonista não carismático, mas sem dúvida intrigante. Demanda não só uma leitura, mas provavelmente mais de uma releitura e mesmo assim não creio que o romance se esgote.