Marcella.Pimenta 27/04/2024
Ser processado sem saber por qual crime é só um dos absurdos
Quem nunca ouviu falar em "processo kafkiano" para se referir a um processo esquisito, absurdo? E é essa a sensação que se tem no decorrer da obra. Mas os absurdos não param por aí. Não é só que ele está sendo processado e não lhe é informado o crime cometido. Ele é preso. Mas pode seguir sua rotina livremente. E há muitas outras situações completamente despropositadas.
Apesar de não conter termos rebuscados, a escrita não é fácil, já a construção das frases deixa dúvida ou incompreensão às vezes.
No fim, creio que a história é menos importante do que o que cada um extrai dela. Sabe aquele ditado de que "Não é você que lê o livro. É o livro que lê você."? Pra mim, se encaixou bem neste caso.
O livro não foi finalizado pelo Kafka (um amigo publicou a obra, organizou segundo o próprio entendimento), tanto que, nesta edição, é dito que um capítulo não foi concluído.
O estilo de escrita do Kafka, que sugere um simbolismo em cada personagem que Josef K. encontra (o advogado de defesa debilitado) ou na narração dos acontecimentos (a sensação de sufocamento do personagem principal no "fórum" ou do contraste luz/escuridão na catedral) é um dos motivos que faz da obra aberta a diferentes interpretações, como até sugere a parábola "Diante da lei" (não é nomeada assim aqui, mas é a que aparece no penúltimo capitulo).
Vi muitas pessoas enfatizando o peso do Judiciário sobre o ser humano, que se vê sem poderes de reagir aos abusos. Uma interpretação correta, e óbvia.
Pra mim, mais que os absurdos do processo, fica a reação das pessoas diante de cada um deles. O supervisor diz que K está preso, mas que ele pode ir ao trabalho, seguir com a vida, com a maior naturalidade. O fato principal, que é K não saber de que crime é acusado, nem é abordado pelos outros personagens. A localização do tribunal e das pessoas que lá trabalham também é outro disparate.
A ordem de todo o procedimento, que começou com prisão que deixa o réu livre e ele não pode nem se defender porque não sabe do que é acusado, já foi perdida e tratada como normal. A partir daí, todo absurdo é banalizado.
Enfim, é menos um livro pra pessoas do tipo "quero saber como isso vai terminar" e mais pro tipo "o que isso quer dizer?". Cada um que faça a própria interpretação.