Luiza Helena (@balaiodebabados) 12/07/2020Originalmente postada em https://www.balaiodebabados.com.br/Há uma frase que Sarah J. Maas repete bastante durante a história; é como se fosse uma espécie de lema de Bryce Quinlan: Through love, all is possible. Essa frase traduzida significa Através do amor, tudo é possível. Pois bem, através do ódio tudo também é possível já que só movida pela força desse sentimento que eu consegui finalizar essa bomba literária.
Esse livro se inicia todo errado desde sua divulgação. Ele está sendo vendido como fantasia, mas deixo aqui registrado que seus aspectos e características são de um romance sobrenatural (como os livros da Irmandade da Adaga Negra). Então se você veio aqui achando que vai encontrar mais uma fantasia arrebatadora, sinto dizer que não vai ser assim...
Um dos poucos pontos positivos desse primeiro livro do que promete ser uma trilogia é a construção do universo. Nesse quesito, eu tiro o chapéu para a SJM que ela sempre soube estabilizar e embasar bem suas histórias. Nesse novo universo, ela pegou o melhor dos elementos sobrenaturais dos livros lançados lá no início de 2010. Você quer vampiro? tem; quer lobisomem? também; quer metamorfo? está aqui. Claramente não pode faltar seus velhos conhecidos feéricos, mas todos esses seres sobrenaturais misturados desperta um pouco de sentimento de nostalgia, lá na época de Crepúsculo e Hush Hush, por exemplo.
Outro ponto forte da autora é a sua escrita. Tendo já lido duas séries da autora, digo com propriedade que sua escrita em terceira pessoa é bem melhor atraente que em primeira. E ainda bem que ela teve a ideia de narrar os acontecimentos aqui em terceira, porque se fosse em primeira, eu tinha pulado desse Titanic naufragando lá no início.
Porém, nem esses dois pontos fortes foram o suficiente para fazer de House of Earth and Blood um bom início de nova série. Enquanto faltou ela explorar cenas que seriam interessantes para o leitor se envolver na história, ela pecou em excesso ao soltar várias informações ao mesmo tempo e enrolar demais até chegar nelas. Foram quase 80% do livro com informações importantes aparecendo depois de capítulos e capítulos em que se revezavam em acontecer vários nadas e Bryce e Hunt se comendo com os olhos e divagando no desejo sexual um pelo outro.
Sobre os personagens, bem… nenhum deles conseguiu ganhar meu apreço, principalmente a protagonista. Bryce Quinlan é uma cópia bastante malfeita de Aelin. Assim como a rainha de Terrassen, Bryce é um tanto arrogante e acha que pode resolver tudo sozinha; a diferença reside no fato que Aelin ainda possuía um carisma e todo uma história para que pudéssemos nos apegar a ela. Bryce simplesmente apareceu aqui como o clichê dos romances sobrenaturais: a mestiça que não tem medo de ninguém, é boa em tudo que faz, toma decisões precipitadas e, claramente não podendo faltar, é a mulher que todos os homens (e algumas mulheres) sentem atração sexual em algum momento.
Já Hunt Athalar é o típico macho da Sarah J. Maas. Conhecido como Umbra Mortis (algo como Sombra da Morte), o anjo caído faz o típico mocinho com ar sombrio e perigoso, um tanto marrento, com um passado dolorido, que todo mundo teme e mudam até de calçada para não cruzar seu caminho, mas só aparecer uma mulher que o desafia e não baixa a cabeça para ele, ela é a “diferentona” que logo desperta seu interesse. A sua construção e motivações são bem mais interessantes que as de Bryce, mas ainda assim não foram suficientes para me fazer importar com ele.
A real é, são tantos personagens que aparecem que eu terminei o livro sem ao menos me importar se alguém iria terminar esse primeiro volume vivo. Há outros secundários que tem um pouco mais de destaque, dentre eles Ruhn (que é uma espécie de cosplay melhorado de Aedion), mas nenhum deles tem um desenvolvimento suficiente para fazer ganhar algum apreço.
Quanto ao desenvolvimento da história, foi aquilo que falei lá em cima. Muitos capítulos de enrolação e enrolação; narrando os dias de Bryce no trabalho, narrando Hunt vigiando a garota (alternando em ficar obcecado pela cor das calcinhas que a moça usa). Em certos momentos a uma quebra quando algo realmente de importante na trama aparece, mas logo em seguida são capítulos e capítulos de mais enrolações e enrolações.
Já o desenvolvimento do relacionamento entre Bryce e Hunt, eu senti que estava lendo Rowaelin tudo de novo. Conversas parecidas, provocações parecidas, até situações para criar um certo laço entre os dois parecidas. No fim das contas, como a Denise (Queria Estar Lendo) comentou em vários dos surtos que tive com ela (mesmo abandonando o barco), ela escreveu Aelin e Rowan novamente, mas deu ruim.
Outro ponto que achei bem péssimo da autora é a abusiva quantidade de drogas que ela coloca para a personagem principal usar (sim, Bryce Quinlan) em seus momentos recreativos. Bryce é conhecida como uma garota festeira que usa e abusa de narcóticos e álcool que, particularmente, achei um desserviço da autora reforçar esse estereótipo. Por exemplo, eu sou uma pessoa que gosto de sair para balada e me divertir com meus amigos, de vez em quando tomar aquele drink socialmente, mas nem por isso saio enfiando no corpo alucinógenos ou qualquer outra substância.
Sarah J Maas é bastante criticada pela sua falta de representatividade, tanto racial quando lgbt+, em seus livros. Foi dito que esse livro seria diferente, com alguns personagens que se encaixessem nesse perfil. Pois bem, o laudo médico da pessoa que falou isso é surtado. Sim, há alguns personagens que ela frisa bem que seu tom de pele é dark/light brown skin (geralmente como os autores internacionais descrevem negros) e até insinuações de relações lgbt+, mas ficou somente nisso, insinuações. É fácil falar que um personagem aleatório qualquer é negro e dizer que isso é representatividade. O próprio Hunt, que no início do livro é descrito como tendo uma pele mais escura, ao longo da história foi sofrendo uma espécie de goldwashing, expressão criada nesse exato momento para englobar quando o autor diz que o personagem tem a pele num tom bronzeado.
Voltando à história, foram um pouco mais de 70 capítulos, praticamente 80% do livro, para que realmente algo acontecesse e a história se tornasse um cadinho interessante. E se tornou interessante outras duas vezes, as quais ela poderia ter usado a oportunidade e terminar o livro nelas, mas não. Ela continuou arrastando e arrastando por mais 30 capítulos, onde tudo se resolveu de forma um tanto preguiçosa e farofenta num mal sentido.
Sarah utiliza daquele velho artifício deus ex-machina, onde Bryce é a mais corajosa, a mais destemida, a mais poderosa, e outros tantos mais que existem por aí. Até o grande vilão e todo aquele velho discurso explicando o que fez e porquê o fez me deixou revirando os olhos da forma cansada que foi desenvolvido. O pior de tudo é que nada do que foi desmentido me surpreendeu, visto que estava basicamente jogado na cara do leitor as possíveis reviravoltas que estavam por vir.
Ainda bem que, ao final de muita tormenta, dezesseis dias de leitura, 97 capítulos e um epílogo, finalmente fui liberta desse cativeiro. O epílogo era para ter o papel de deixar aquele mistério no ar e deixar o leitor ávido pela continuação, porém não foi bem assim que aconteceu comigo. O final do capítulo 97 pode ser tomado como o final da história de Bryce, Hunt e todos os habitantes de Crescent City e assim que o fiz.
House of Earth and Blood poderia muito ter sido condensado em um livro bem menor e ainda assim ser um bom início de série. Infelizmente não foi assim que aconteceu e eis que dou por encerrada toda minha experiência em Crescent City e em tudo mais que Sarah J. Maas quiser inventar nessa sua nova série.
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