Gramatura Alta 16/03/2022
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Bullying é algo que, infelizmente, existe em qualquer escola, de qualquer parte do mundo. Shouya é um desses garotos que sentem necessidade de atacar quem é mais fraco ou mais frágil. Seu alvo é a nova garota da classe, Shouko. Ela é surda, e Shouya se aproveita disso para tornar a vida dela um inferno.
Quando o bullying não é combatido e ignorado pelos adultos responsáveis, ele só tende a piorar. E é isso o que acontece. Quando os limites são ultrapassados, a mãe de Shouko muda a filha da escola. O que Shouya não imaginava era que, por conta disso, ele se tornaria o alvo de todos os colegas, que o consideraram como o único responsável, embora não fosse.
Seis anos mais tarde, Shouya reencontra Shouko e decide reparar os erros do passado. Mais maduro, e tendo sentido na pele o que é sofrer bullying, ele consegue ter empatia e compreender perfeitamente todo o sofrimento que Shouko sentiu. Mais do que isso, Shouya perdeu todos os amigos, é um rapaz sozinho, e acha que só com a redenção, o perdão de Shouko, poderá continuar sua vida com alguma dignidade e criar novos laços.
A partir de então, Shouya e Shouko iniciam uma jornada de compreensão, de aceitação, criando novas amizades, enfrentando novos desafios, e tentando recuperar as relações perdidas do passado. Não apenas dos dois, mas de vários outros colegas que também ficaram presos no caminho por faltas cometidas, por covardia de ações não tomadas.
A VOZ DO SILÊNCIO poderia ser um mangá incrível, com um tema sempre presente e pertinente para tantos jovens. O primeiro volume é perfeito, bem ágil, onde o leitor acompanha toda a fase do bullying, o afastamento de Shouko e o início da redenção de Shouya. O segundo volume continua essa evolução, mas começa a fazer rodeios, a repetir situações e a inserir personagens que travam o avanço. Mas, mesmo assim, mantém a qualidade e segura o interesse.
Entretanto, o terceiro volume apresenta uma situação que, para mim, estragou completamente a leitura. Eu acho que grande parte dessa situação se deve a uma posição cultural. Realmente não tenho base para confirmar isso. Mas independentemente da cultura, a depressão é uma doença global, cujo tratamento é igual para qualquer ser humano. Em um determinado país, em uma determinada cultura, esse tratamento pode ser mais difícil, pode conter mais preconceito, pode ser mais ignorado, mas a doença se comporta da mesma forma e tem resultados idênticos.
Nos dois primeiros volumes fica nítido que Shouko sofre devido à sua dificuldade em ouvir, que ela entra na depressão por sofrer bullying, por se achar menos como pessoa. Essa condição em nenhum momento é tratada durante a leitura. Ela é apresentada como o motivo para o bullying, mas o autor não se aprofunda na vítima, apenas nos agressores e em como eles podem se redimir. Não existe o lado da Shouko, seus sentimentos não são explicados, o foco é quase totalmente em Shouya.
Isso é um problema, mas poderia ser contornado com a forma como Shouya reconhece seus erros. Entretanto, no terceiro volume, a depressão de Shouko atinge seu ápice e ela tenta cometer suicídio. A fatalidade só não se concretiza, porque Shouya aparece a tempo. Então vem o ato que eu, realmente, não consegui digerir. Shouya acaba sofrendo uma queda quando salva Shouko e fica em coma. A atenção continua toda em Shouya, como se ele fosse a vítima, e Shouko é tratada com desprezo, como a culpada de tudo. Em nenhum momento o autor se preocupa em explicar o que levou Shouko a uma ação tão desesperada.
Pior do que isso, Shouko é surrada por uma colega, apanha e apanha, enquanto é acusada de ter ferido Shouya e de ser uma pessoa desprezível, que Shouya não teria se ferido se ela não fosse egoísta e tantado se matar. A depressão e o suicídio são apresentados como atos de covardia, de pessoas fracas, vitimistas, e não como uma doença que pode ser fatal. Eu considero isso uma irresponsabilidade sem tamanho, ainda mais em uma obra que é endereçada para um público que tem uma enorme parcela passando por depressão e com pensamentos suicidas.
Eu fiquei chocado com essa parte do mangá. Raras vezes li algo assim. E me choca ainda mais que não se comente sobre isso. Eu fico pensando no que algo assim pode fazer na mente de uma pessoa em depressão. Como ela se sente ao ler que a culpa é dela, que ela tem pensamentos suicidas porque é fraca, porque não merece viver, ao invés de receber a informação de que está doente, de que não tem como controlar seus pensamentos devido a fatores químicos que desestabilizaram suas emoções e seu cérebro, que ela não é mais responsável por seus atos, que precisa de acompanhamento médico e de remédios. Que ela pode ser curada e não ter mais esses pensamentos. Ao invés disso, ela lê que merece apanhar. Que coisa…
E quanto ao resto da história de A VOZ DO SILÊNCIO, bem, o quarto volume é monótono, chato, repete várias situações e finaliza com algumas páginas muito bem desenhadas, mas sem uma consequência, sem um desfecho para os personagens, deixando em aberto o futuro. E depois do volume anterior, nem me importo.
Enfim, eu me arrependi da leitura, não recomendo, principalmente para quem passa por alguma dificuldade emocional ou sofre com depressão. Passe longe!
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