DMrtins 11/09/2024
O livro que mudou tudo...
2018. Dentre os muitos motivos que fizeram esse ser o melhor ano da minha vida, "Doce Dezembro" foi um dos principais. Fui visitar meus familiares que moravam - e atualmente ainda moram - no Paraná, em um lugar cheio de verde, cheio de paz, mas sem nenhum acesso à internet. Baixei despretensiosamente esse livro no Wattpad (plataforma que eu também usava para escrever meus livros na época) a fim de ter algum entretenimento nos "tempos mortos" entre conversar com minha família ou só receber o que o campo paranaense me proporcionava como contemplação. O tema me interessava, não tinha como dar errado e, além disso, eu tinha toda a serenidade do mundo para devorar o que quer que eu fosse ler nessas férias na casa dos meus tios.
Minhas expectativas foram mais que superadas.
O primeiro capítulo era coisa de louco. Puro drama, puro dilema de uma inesquecível noite de mortes na cidadezinha de Grace, que, como qualquer outra de qualquer ambientação Hollywoodiana, era a ponta de um iceberg muito maior. Como disse, eu também escrevia para o Wattpad na época e tinha um total de ZERO maturidade para aprimorar minha escrita e desenvolver algum estilo próprio. Mesmo assim, eu estava lá. Ana Clara Dantas estava lá também. Lutando como eu em meio a milhares de outros usuários da plataforma desejando serem notados. A diferença é que Ana já tinha um público estabelecido, seu livro já fora lido por 100k até aquele momento. Eu era um nada apenas começando minha jornada A escrita da Ana foi um dos pilares desse meu grande - e curto - momento criativo referente à literatura. A forma como ela não media os diálogos, as descrições (meu deus, as descrições) que por vezes davam vida a elementos inanimados apenas para expressar a psicologia dos personagens em certos momentos... A maneira apaixonada como ela descrevia a paixão entre os protagonistas e como dessa coisa carnal o horror da morte, da violência e do passado também contrastavam na mesma densidade, no mesmo parágrafo... A escrita da Ana era algo encantador. A ficção juvenil sobre uma cidade que um dia já respirou esperança na saudosa época dos adultos, mas que de escolhas e erros precipitados originou toda uma trama para toda uma geração nova que mantinha a cidade viva por aparelhos. Da fachada de perfeição dos pais ruída já no primeiro e excelente capítulo, até os clichês amorosos da mocinha e do bad boy em uma história que podia ser tão previsivelmente favorável ao amor dos dois e tão, mas tão desgraçadamente trágica quando tinha de dar errado... Eu sempre fui um fã dessas histórias sobre cidades americanas fadadas ao fracasso do próprio sonho americano através de segredos não revelados (não à toa minha série favorita da vida é "Twin Peaks", ápice audiovisual disto), e acho que o que fez esse livro funcionar tão bem é como, mesmo ciente de seus tropes, ele não falha em te envolver no mundo desses personagens tim-tim por tim-tim. Grace é viva, mas não é nada sem seus sobreviventes. E a trama de Ally e tudo envolta de si é uma sobrevivência por si só. "Doce Dezembro" fez minha viagem. Esse livro fez de um pequeno momento na minha vida uma vida inteira dentro da minha, que só sobreviveu e sobrevive até então. Só Deus sabe o quanto eu li e reli esse livro depois que saí da casa dos meus tios, a ponto de decorar falas, a ponto de chorar no mesmo ponto de sempre, perdendo o controle de um mundo que eu não controlava, mas que eu achava que sim. Grace se tornou minha casa por um breve momento, Ana Clara, minha inspiração direta. Que escritora fantástica. Anos depois e eu ainda não podia contar a ela, enquanto ainda tínhamos contato, em palavras suficientes o quão grato eu era por ela ter feito um dos melhores momentos da minha vida ser o que foi. Aquela versão do Wattpad me emociona até hoje. Dos momentos que não voltam mais. Nem meu tio mora mais lá. Meu primo, aquele que eu dividia minha atenção enquanto ficava lá, também faleceu alguns anos depois.
Então, as despedidas só começaram a partir daí.
Primeiro, a despedida de Grace, de "Doce Dezembro". Ana realizava seu sonho. DD seria finalmente publicado por uma editora e do Wattpad só restaria os capítulos iniciais do livro por causa do jurídico. Ana me avisou que o livro seria totalmente modificado a pedido da editora e eu sabia o que aquilo significava. Essas coisas são necessárias quando se quer realizar um sonho. Raramente você o controla totalmente. As vezes cede um pedacinho dele. Ela concordou, estava feliz e se ela estava feliz eu também estava. Depois de um tempo, finalmente li a versão que iria para as livrarias e não acreditei em quanta coisa foi alterada. Ainda era "Doce Dezembro" e a criadora mesmo alterou as devidas partes, mas claramente era um outro livro. Foi difícil pra mim. Lembro que conversei com a Ana relatando minha mágoa com a essência alterada e se ela não teria a versão antiga - a que mudou minha vida - pois eu desejava ainda retornar a esse lar. Não havia mais, infelizmente. Essa foi a primeira grande despedida, e uma das mais dolorosas até hoje. Eu lia e relia o livro em casa, no meu trabalho, aonde quer que fosse. Além de encurtado como uma prévia na plataforma que nem eu escrevia mais, dava pra ver e já começar a aceitar que não era o mesmo meeeesmo livro. A vida seguiu, e acho que não vi a saudade aumentando. Meu primo, filho desses tios que acolheram eu e meus pais naquele fevereiro de 2018, havia falecido. Ele era um amor. Uma alma eternamente amorosa. Mas era frágil e mesmo com tanto amor e recebendo tanto amor, Samuel nos deixou. Os. Os deixou. Meus tios não aguentavam mais a memória daquela casinha ao pé do morro. Não dava mais pra viver com o fantasma da vida feliz ao lado do filho. Era insuportável. Tempo depois da sua morte, dessa segunda despedida, veio a terceira despedida brutal. Eles finalmente haviam se mudado. Era bom, pensava eu. Era ruim. Também pensava eu. Um momento feliz de todos nós que ia embora. Já tive que me despedir de muita coisa em minha vida, mas acho que esses anos de 2018-2020 formam a sequência mais dolorosa de adeus que já tive que dar. É inseparável essa união. Minha viagem, meus tios e primo,, "Doce Dezembro". O ano do momento mais feliz da minha vida ia embora aos poucos e não havia como segurar. Eu sabia disso. Mas também sei que até hoje não superei como essas coisas se foram e não, não adianta, não voltam mais.
Seis anos depois, encontrei o Skoob - na real eu lembrei dele - e vi na plataforma uma chance de desabafar e novamente declarar tanto meu amor quanto minhas desculpas à Ana e à sua obra-prima, sua masterpiece. Fui bastante injusto, foi ignorante, mas o tempo me feriu muito e por mais que hoje eu só lembre o quão maravilhoso e feliz eu fui por causa dessa arte tão linda, humana, viva ou as três coisas juntinhas que é a literatura. Descobri outros autores, parei de escrever no Wattpad e hoje me dedico a uma paixão extremamente confortável e decidida que o cinema é para mim. O tempo passou e eu perdi o contato com a Ana, que continuou sendo uma pessoa tão única pra mim, mas que por motivos de distância e diferenças pessoais eu acabei revezando entre os problemas que surgiram de 2018 para cá (ou que já davam as caras até antes, como a depressão...). Tentei contato recentemente e nem os conteúdos sobre livros ou sobre o próprio livro dela foram atualizados em suas redes. No Wattpad, ainda habitam "Doce Dezembro" e as dedicatórias e as notas dela em que ela também desabafa sobre essa doença maldita que é a depressão. Ana, você mora longe. Somos de pontas diferentes desse Brasilzão e eu real não tenho como alcançar algum familiar seu para saber se está bem, se está sobrevivendo (como eu) ou vivendo tanto e tão bem que só não tem tempo para o mundo, mesmo. Só queria dizer - e não é como se você não houvesse já escutado nas milhares de palavras que te mandei logo após ler o seu livro - que eu nunca serei pleno e completo como fui quando li "Doce Dezembro" em 2018 novamente e que ao mesmo tempo que é maravilhoso ter essa memória, ter essa maravilha que é a memória da vida, a certeza de suas belezas (livro, tios, família, natureza, Paraná, campo, arte; Vida), é ao mesmo tempo muito assustador e triste. Nunca, nunquinha vou esquecer o quão lindo foi quando você ouviu sobre o meu primo Samuel e fez uma homenagem a ele na sequência de "Doce Dezembro", inserindo um personagem de mesmo nome. Você fez uma obra-prima à época que não foi notada por muitos, mas que quem leu, ah, leu algo genuíno de uma mulher, de uma artista maravilhosa. Mesmo com a nostalgia da época, estou lembrando e rindo E tentando não chorar debruçado em cada parte mais marcante do seu livro. Que momento bom foi 2018. Como foi bom ter encontrado essa preciosidade que mesmo com os clichês, soube bem o que fazer como eles, criando uma história invejável, de uma narração invejável. Ally sempre viverá comigo pois, dentro de mim, você sempre viverá. Obrigado, espero que esteja bem. Da literatura até a vida, sua influência não será esquecida jamais em mim. Cada página do seu livro eu lembro como se fosse ontem. É primor puro, pois é alma pura.
Apenas um agradecimento, uma review honesta ao livro que não sei se ainda pode ser encontrado para venda (no Wattpad os primeiros capítulos ainda existem), mas sei que ainda pode ser encontrado em mim. E que aqui folheio à vocês. Por favor, que você esteja bem. Você me ensinou a sobreviver.
"Doce Dezembro". 2018. Viagem e Tios.
site: https://www.wattpad.com/story/90647038-doce-dezembro-os-mascarados-livro-i