Sarah.Raphaele 07/08/2023
Lar, doce lar...
SOBRE A HISTÓRIA
Neste livro acompanhamos nossa querida Anne dos 34 aos 40 anos. Ela já é uma mulher madura e mãe de 6 filhos. Nas primeiras páginas temos uma dose de saudosismo, ela e Diana relembram os tempos de criança, suas aventuras juntas... (é bom ver que a amizade delas continua firme e forte, é uma das amizades mais lindas que já vi em livros).
“Elas trocavam olhares felizes e reconfortantes, olhares de cálida amizade, às vezes andavam em silencio, pois Anne sempre defendeu que duas pessoas que se entendem bem podiam sentir o pensamento uma da outra”
Apesar do saudosismo, ela deixa claro que por mais que os dias de juventude que passou como “Anne de Green Gables” fossem incrivelmente mágicos, ela não se arrepende das escolhas que fez porque ser Anne de Ingleside a faz se sentir completa e feliz. Anne é alguém que sabe curtir cada fase da vida para não olhar para trás com arrependimentos.
“O coração dela cantarolou durante toda a viagem, pois ela estava voltando para uma casa cheia de alegria, onde todo mundo que entrava sabia que era um lar.”
O que podemos esperar nesse livro? Anne lidando com problemas do dia a dia e enfrentando os dilemas da maternidade. A maneira que ela educa os filhos muito me lembra inclusive a chamada “educação positiva” que é um dos assuntos mais comentados na atualidade sobre educação de filhos. Apesar do livro ser publicado pela primeira vez em 1939 e essa filosofia da educação positiva não estar ainda completamente estruturada, a autora mostra ser adepta de seus ideais. Pelo menos seus personagens Anne e Gilbert parecem ser, inferi isso por causa das várias vezes durante a leitura ser citado que eles criam seus filhos usando a ciência a seu favor.
Falando nos filhos, deixe-me apresenta-los a vocês: Jem, o mais velho(seu nascimento já é citado no livro anterior) Walter, as gêmeas Diana(Di) e Anne (Nan), Shirley e Rilla. Cada filho teve reservado para si alguns generosos capítulos que nos divertem com suas aventuras e desventuras (Shirley foi o único que não teve desenvolvimento. Espero que ele ganhe mais espaço no próximo livro.)
É verdade que os filhos ganham destaque na narrativa, porém o foco sempre está na postura de Anne como mãe. Por mais que eu desejasse ver mais de Gilbert aqui, inclusive o lado paterno dele, compreendo que ele nunca foi o protagonista.
Apesar dela ser uma mãe inspiradora, não é sobre-humana. E a autora fez questão de mostrar Anne com seus “dias maus”.
“Anne estremeceu. Ser mãe era muito bom, mas muito assustador.”
“O que havia de errado? Será que estava se tornando uma dessas criaturas enfastiadas sem paciência com ninguém? Tudo a irritava ultimamente. (...) Estava farta das obrigações intermináveis e monótonas... farta de atender aos caprichos da família. Antes, tudo que fazia pela casa lhe dava prazer. Agora, parecia que nada era suficiente.”
Outro tema abordado pela autora nesse livro é familiares tóxicos. A autora mostra como a presença de um terceiro pode adoecer um lar saudável.
"Eram tantas miudezas... “tão miúdas que não posso reclamar delas”, pensou Anne. Ainda assim, são as miudezas que abrem buracos na trama da vida, como traças, arruinando-a."
Anne, que outrora aspirava pela escrita e sua profissão, mostra agora uma nova paixão...mais forte do que todas as outras: maternidade. Anne não perdeu sua personalidade imaginativa, primavera continua sendo sua estação favorita.
Há inclusive uma personagem no final do livro que surge querendo deixar Anne por baixo ao sugerir que ela jogou fora uma vida notável ao decidir por filhos.
"- Nunca me importei muito com crianças, sabe? Receio não ser uma pessoa do tipo maternal. (...) já esteve em Oberammergau? (...) é claro, uma família impõe limites terríveis (...) nunca desejou uma vida mais interessante?"
É muito bacana ver que apesar de Anne ser uma mulher à frente do seu tempo por ter feito faculdade e escrever para o jornal, ela não se sente inferior por ser ‘do lar’. Pelo contrário, sempre está dando seu melhor para cuidar bem da família.
"Sua luz interior ainda irradiava. Pela porta aberta chegava o som tênue das crianças dormindo. Gilbert, que raramente roncava, sem dúvida estava roncando. Anne sorriu. E lembrou-se de algo dito por Christine. Pobre mulher sem filhos, atirando flechas de sarcasmo. "
OPINIÃO SOBRE A OBRA
Inegavelmente tenho um carinho muito grande por Anne Shirley, acompanhar sua história de infância à maturidade ao longo de 6 livros foi um misto de sensações, algumas das quais ainda estou digerindo. Não digo que estou totalmente triste ainda por ter que me despedir, porque afinal ainda possuo 2 livros de “continuidade”. É verdade que o protagonista da próxima história não será Anne, mas acompanhar um pouco mais seus filhos é o que me resta a fazer.
Eu gostaria que a autora tivesse gasto mais tempo falando sobre a vida dela de casada. Queria mais do casal Blythe. Ela poderia ter falado mais sobre os altos e baixos de uma vida a 2 (porque é isso que a sinopse dá a entender que teremos... e não temos). Pra não chamar a sinopse totalmente de mentirosa, nas páginas finais (finais mesmo), Anne tem um “surto” e fica achando que Gilbert não a ama mais como antes.
"O pior de tudo era Gilbert nunca reparar quando havia alguma mudança nela. Ele estava ocupado dia e noite e parecia não se importar com nada além do trabalho. A única coisa que disse na hora do jantar naquele dia foi: “poderia me passar a mostarda, por favor?”. (...) e faz tanto tempo que não me chama de ‘minha menina’... nem me lembro quando foi a última vez. Bem, suponho que todos os casamentos cheguem a esse ponto."
Gosto de como o lar é retratado aqui... um lugar que apesar de imperfeito, é para onde sempre podemos (e queremos voltar). Sinônimo de proteção e amor. Os adultos sentem isso, as crianças sentem isso...
“Uma família muito boa”, refletiu Anne com alegria ao deitar-se na cama, com o bebê ao lado. Logo ela estaria com todos eles novamente, ágil como antes, ensinando-os, confortando-os. Eles a procurariam com suas pequenas alegrias e tristezas, as esperanças que floresciam, os novos medos, os problemas sem importância que pareciam tão grandes para eles e as decepções que pareciam tão amargas."
"O pingente de diamante caiu no chão, sem que ninguém lhe prestasse atenção no momento. Era lindo, mas havia tantas coisas ainda mais lindas... Confiança, paz, um trabalho agradável... Risadas e bondade... A velha sensação do amor eterno."
Mas apesar de amar a história de Anne, devo confessar que em algumas partes do livro senti a história se arrastar, principalmente quando focava em personagens aleatórios.
Na minha opinião, os livros da série Anne precisam ser lidos um após o outro, sem grandes intervalos. Isso porque personagens de livros anteriores aparecem com certa constância e você não entenderá o contexto se não se lembrar do personagem.
Não posso deixar de ressaltar a importância do contexto religioso aqui... Anne e Gilbert, presbiterianos assumidos, citam versos bíblicos e Deus é citado como uma realidade muito próximo deles.
"Deus não faz acordos. Ele dá sem pedir nada em troca, exceto o nosso amor. Quando você pede alguma coisa para mim ou para o papai, nós não fazemos acordos. E Deus é muito, muito mais generoso do que nós. Ele sabe bem mais do que nós o que é melhor."
"- Minha querida, minha amada! (...)Há um verso da Bíblia escrito para você: “Ela só lhe faz bem, e nunca o mal, todos os dias da sua vida”.
A coleção é considerado como literatura cristã, pois contém muitos princípios com lições de vida, algumas delas fazendo referência a versículo bíblicos, além de instigar a oração. Aborda temas sensíveis e familiares. Esta é uma super indicação de leitura para todo o público de leitores.