Ismael.Chaves 16/10/2023
Uma obra-prima da literatura gótica
Editoras independentes como o Sebo Clepsidra, capitaneada por Cid Vale Ferreira, já se especializaram em navegar por mares obscuros e desconhecidos da Literatura, descobrindo e revelando tesouros que as editoras mainstream nem sonham ou ousam desbravar. Em parceria com a Editora Ex Machina, o Sebo Clepsidra trouxe a primeira tradução em língua portuguesa de Robert Aickman, o grande Mestre do Terror, admirado por autores como Neil Gaiman, S.T Joshi e Peter Straub, no livro "Repique Macabro". Foram responsáveis também pela primeira tradução de "Poderes das Trevas", a misteriosa versão sueca estendida do clássico "Drácula", uma recente descoberta que tem balançado o mundo literário e acadêmico - e já está disponível!
Mas, uma de suas empreitadas mais ousadas e desafiadoras foi, sem dúvida, a tradução do romance inglês "Varney, o Vampiro; ou, O Banquete de Sangue" (1845-1847), o penny dreadful mais lido, mais longo, e mais influente de todos os tempos. Estudiosos como A. Asbjørn Jøn afirmam que "Varney" foi uma grande influência para a tradição dos vampiros literários, incluindo "Drácula" (1897) de Bram Stoker. Muitos dos elementos clássicos de vampiros se originaram nessa obra: Varney tem presas, deixa duas feridas no pescoço de suas vítimas, entra por uma janela para atacar uma donzela adormecida, tem poderes hipnóticos e tem força sobre-humana. E, ao contrário dos vampiros posteriores, ele é capaz de andar à luz do dia.
Publicado anonimamente em fascículos semanais (o sucesso de um capítulo garantia a impressão do próximo), a edição original tinha 876 páginas de colunas duplas e 232 capítulos. Para esse projeto audacioso, a editora Sebo Clepsidra organizou uma coleção de luxo, dividida em quatro volumes. Neste primeiro volume, estão os primeiros 47 capítulos, fartamente ilustrados com desenhos originais da época.
Na trama, o leitor acompanha os infortúnios de uma nobre família em decadência, assombrada por um vampiro com sede de poder, destruição e sangue. A narrativa é muito ágil (mérito também da tradução feita à oito mãos talentosas e competentes de Carlos Primati, Marina Sena, Alcebiades Diniz e Thassio Capranera), com o leitor imerso nessa narrativa recheada de suspense, violência, romance e, pasmem, humor. Cada capítulo é um gancho que nos fisga a continuar lendo, sedentos para saber mais sobre os personagens e os antigos segredos que permeiam essa mistério sinistro.
Para quem já leu "Drácula", a comparação nos primeiros capítulos é inevitável. Parece que esse folhetim influenciou Stoker muito mais do que o sempre citado "Carmilla" de Sheridan Le Fanu. Há interessantes debates políticos e morais na história, o que enriquece a obra, tornando-a uma leitura extremamente atual e pertinente em muitos momentos. Edição memorável que vale cada penny...ops, centavo.