Maria9689 27/10/2024
Xiiii! Sei não, ein... Acho que isso é coisa de gente grande
Se você tivesse uma bolsa amarela, daquelas mágicas, capaz de esconder até o mais terrível dos sentimentos, o que você esconderia?
A menina Raquel não tem um por cento de dúvida. Sem piscar o olho, de bate e pronto, transportadas do coração até a bolsa amarela, ela esconderia:
1) A vontade gorda de ser menino;
2) A vontade imensa de ser gente grande;
3) A vontade estupenda, quase incontível, de ser escritora.
Acontece que, vivendo ela numa sociedade onde garoto pode isso, pode aquilo ? pode tudo, oras! ?, numa casa onde apenas gente grande tem direito, porque, claro, criança nem gente é, e numa família onde os seus escritos são motivo de piadas e risos, que restaria para Raquel senão, na sua infinita criatividade de menina, esconder tuuuuudo isso na Bolsa Amarela?
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Atrelar o lúdico à questões sociais, familiares e de gênero é o que há de mais admirável na escrita de Lygia Bojunga.
Através da imaginação de uma pequena grande garota, Lygia não apenas traça um retrato fiel de um cenário que perdura até os dias de hoje, mas também do socorro que urge nas necessidades de se desprender do que nos foi imposto, da pressa em ser verdadeiramente vista e ouvida em nossas essências.
Recheado de importantes questionamentos, "Bolsa Amarela" é um livro que trará a reflexão conclusiva do empenho vão e inútil de se esconder de quem realmente se é.
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(Opinião - Contém Spoilers)
Nas primeiras páginas do livro, grande foi o aperto no meu coração. Não sei se por mera sensibilidade ou identificação, coisa e tal.
A questão é: Como, enquanto adultos, podemos nos reger de uma audácia (quase divina, assim creio) e deliberadamente categorizar as formas inferiores de vida?
Em ter fé numa crença odiosa onde, por serem pequenos, na aparência errônea de que nada sabem, nada entendem, nada percebem, destituímos de nossas crianças o direito de pensar e agir?
O simples direito de ser gente.
Por que (sabe lá Deus como) somos Raquel e, noutro momento, com a passagem feroz do tempo, passamos a ser aqueles que: "Chega de perguntas!", "Você vai, porque você não tem querer!", "Que bobagem é essa?", "Deixa eu ver só o que ela esconde dentro dessa bolsa".
Me vi ali, descoberta em um rubor fatal, com prantos da menina que eu costumava ser, quando leram a história do Galo Rei da pobre Raquel e riram sem pudor da sua cara, das palavras que, embora lhes parecessem meras bobagens, saíram do fundo da sua cabeça, da imaginação que lhe moviam os dedos.
Fiz a mesma coisa que ela quando riram e leram a minha história sem permissão: Rasguei a folha como se rasgasse a mim.
E, gostando ou não, me vi também no Terrível, aquele galo brigão e, bem... Terrível. Não que minha natureza seja dada à brigas, longe disso! Mas quanto de pensamento eu, na minha profunda arrogância, tenho de costurado? Quanto de pensamento eu, na minha passibilidade, deixei que costurassem?
Terrível estava preso em um espiral de pensamento: "Tento de brigar! Tenho de brigar! Tenho de brigar!", tanto quanto eu estava numa hélice inquebrável de: "Sou inútil! Sou inútil! Sou inútil!"
Confesso que, no fim, me peguei desejosa de ser Alfinete de Fralda. Embora caído e pisoteado muitas vezes, enferrujado pelos temporais, mostrou ao que veio, do que era capaz, de que mesmo fino e miúdo como era, tinha, sim, o seu propósito na vida.
E que raios falar da Guarda-Chuva? Também me fiz a promessa de, quando crescesse, jamais deixaria de ser pequena. Acontece que, entre uma variação e outra, de pequena pra grande, de grande pra pequena, acabei enguiçando e não sendo nem uma coisa nem outra.
Coitada!, pensei a princípio, sem saber que, na verdade, a única coitada da história era eu. Sem se contentar em ser apenas bonitinha, e não se atendo ao estado inicial de sua natureza, alçou vôos dignos apenas daqueles que tem a coragem de sonhar, de OUSAR ser mais do que aquilo que lhe impuseram.
Tornou-se um paraquedas, assim como o Galo que de Rei mandante-das-galinhas foi para Afonso descosturador-de-pensamentos. Bolsa Amarela foi para mim uma experiência tocante, singela e pra lá de particular.
Que eu aceite quem realmente sou e quem eu verdadeiramente posso chegar a ser. Que eu exceda e rompa todas as costuras do pensamento. Que eu tenha a coragem de sonhar, de fugir,
de ser.