Paulo 31/10/2021
Em Fredric, William e a Amazona, Jean-Marc Lainé e Thierry Olivier narram a biografia de duas influentes personalidades na indústria dos quadrinhos: Fredric Wertham e William Moulton Marston. Um deles escreveu um livro que quase acabou com os gibis nos Estados Unidos. O outro ajudou na expansão inicial da indústria trazendo milhões de garotas para o gênero dos super-heróis. O primeiro é o psiquiatra alemão Dr. Fredric Wertham, autor do infame Sedução do Inocente, onde sugeriu que os quadrinhos eram perigosos para as crianças. O segundo é o multifacetado William Moulton Marston, psicólogo americano inventor do detector de mentiras criador da Mulher-Maravilha e estudioso do potencial educacional dos quadrinhos. O primeiro, com suas teorias inspiradas em Freud, de quem foi discípulo, influenciou à criação do Comics Code Authority, em 1954, ferramenta de autocensura que passou a cercear o conteúdo das histórias em quadrinhos, o que quase arruinou o mercado norte-americano de HQ. O segundo, ao colocar uma mulher como protagonista das histórias, expandiu a indústria e atraiu o público feminino para um universo até então quase exclusivamente masculino.
Para contar essa história, os autores usam a técnica da biografia paralela, em que as vidas de duas pessoas são contadas ao mesmo tempo, num narrativa que os compara, ainda que os dois personagens em momento algum cheguem a se encontrar de fato. A HQ é dividida em quatro capítulos, e cada um desses períodos acompanha a vida desses personagens durante os anos de 1922 e 1956, e não é contada como uma história linear, em que alguns fatos levam a outros que levam a outros que levam a outros. Ao contrário, a narrativa é picotada, pois o que temos são cenas isoladas de um e de outro personagem, com saltos de tempos o tempo inteiro, de forma que cabe ao leitor completar o que ocorre entre uma cena e outra. Ou seja, exige do leitor um certo background para entender o material por completo: se você não conhece minimamente o que aconteceu no período em que se passa a história e na vida dos personagens, pode ficar um pouco confuso durante a leitura.
De certa forma, essas escolhas me deixaram com a impressão de ausência de construção de uma história, como se a obra fosse meramente uma lista de fatos relevantes da vida de cada um, além de deixar difícil criarmos empatia por qualquer um dos personagens. Além disso, parece que as 92 páginas do álbum foram pouco para dois personagens tão complexos e para a história contada, simplificando demais o contexto do surgimento da ferramenta de autocensura. Infelizmente, há uma moda de condenar o Comics Code Auhority e jogar a culpa toda da sua criação em Wertham. Porém, o contexto de seu surgimento é muito mais profundo, e envolve uma série de atores, sendo fruto de um período permeada pelo clima fervilhante e paranoico do Macarthismo.
A arte de Thierry Olivier me agradou, remetendo aos quadrinhos underground, e trazendo um aspecto retro dos anos 1930 a 1950, casando muito bem com a proposta da HQ. Porém, o estilo de Thierry é próprio, com cenários e paisagens muito bem desenhados, mas personagens estáticos e engessados.
Um grande acerto dessa edição é que há vários extras que servem para contextualizar a trajetória dessas pessoas.
No fim, a obra exprime mais de 30 anos em pouco mais de oitenta páginas, e a sensação é a de ser uma HQ pra quem já conhece muito sobre a história desses personagens, só um "melhores momentos". Mas ainda assim, Fredric, William e a Amazona é bastante eficiente em montar um panorama dos acontecimentos e da vida destes personagens, servindo como um ótimo incentivador para o leitor pesquisar mais sobre o período.