vitor mussi 06/07/2021
Um maremoto de emoções
O título da resenha ficará mais claro ao decorrer da leitura, por enquanto irei focar apenas nos pormenores do livro, esses que basicamente fazem de um livro uma obra prima nacional.
Não sou um crítico renomado que leu mais de 10 mil livros, mas gostaria de começar com um fato curioso e pouco conhecido sobre a literatura: geralmente, quando um autor usa metáforas de água, ele está se referindo à mudança. Clarice Lispector é uma das muitas que fez uso desse truque em seus livros, um exemplo claro seria Perto do Coração Selvagem, livro de estreia da autora. No mesmo, tudo de importante acontece com água por perto, independente da forma em que ela se apresente. Em um momento a personagem está tendo uma grande epifania e há uma goteira na parede, no outro, o pai dela acaba de falecer e ela está correndo pela praia se desidratando de tanto chorar.
?Tá, mas o que isso tem a ver com Maremoto??, você me pergunta. É simples: há, de uma certa forma, uma falta de água. O protagonista está constantemente comentando sobre como sente falta do mar e da praia. Caso ainda não tenha ficado claro, então aqui vai da maneira mais simplificada possível: água costuma representar mudança, mas nada muda durante um bom tempo já que o personagem está preso em um apartamento. O personagem sente falta do mar, o personagem sente falta da água do mar, o personagem sente falta da mudança. Ele construiu um castelo de expectativas ao fugir de sua cidade do interior para uma metrópole movimentada. Pensou que seus dias seriam cheios de experiências novas, cheios de diferentes epifanias. Aposto que até se imaginou correndo pelas ruas sobre as luzes neon que nem a Lorde no clipe de Green Light, mas só recebeu monotonia e várias frustrações.
A partir disso, acredito que já seja possível começar a observar detalhes menores como as mudanças bruscas de humor do personagem e o excesso de banhos. Eu sei, eu sei, eu acabei de dizer que existe uma falta de água e agora estou dizendo que existe um excesso de banhos, mas deixe-me esclarecer as coisas para que não caia em contradição: a água a qual me refiro é aquela que vem sem a intenção precipitada da mudança. O personagem toma diferentes banhos na intenção de se limpar de um cheiro ruim que sente, toma outros na intenção de diminuir a probabilidade de ter se contaminado, e toma alguns outros querendo simular a água do oceano. Está vendo? A água que aparece é premeditada, não natural. Ela não vem porque uma grande mudança está acontecendo, pelo contrário, ela vem porque o personagem está desesperado por alguma mudança. Além da água do chuveiro, há também a água da pia e a água sanitária, essas ele usa para limpar suas mãos e todos produtos e alimentos que compra. De novo, caímos naquela mesma conclusão: é uma água desesperada, até mesmo artificial se você considerar o fato de que a água sanitária é um produto químico. Ela não está ali para representar a mudança, mas sim a falta dela.
Agora, quanto às mudanças bruscas de humor e fases, também é simples de entender: ele está desesperado para sentir algo novo, está cansado de ficar preso em seu apartamento, por isso cria obsessões diferentes a cada capítulo. Em um, fala sobre sua obsessão com faxinar a casa, no outro, já cansou de limpar a casa e agora está viciado em conversar com homens por aplicativos de encontros na tentativa de suprir a carência que sente.
O que carrega o personagem durante todo o livro, fora outras coisas menores, é basicamente a vontade de mudança ou a aceitação niilista de que não haverá mudança alguma e que o mundo está condenado.
Em geral, é um ótimo livro, um círculo completo e sem rebarbas. A escrita me lembra muito da escrita de ensaístas como Susan Sontag e Joan Didion, isso porque a escrita de ambas não possui picos e vales, é direta e extremamente afiada.