Diego Kiam 07/07/2023
Família, mulheres e religião...
Quando conheci a escrita de Kamila Shamsie na FLIP de 2011, impressionou-me não apenas sua simplicidade como pessoa, mas também uma escritora acessível e bastante acolhedora com um público que até então, não mostrava-se muito conhecedor de suas obras. Doze anos depois reencontrei Kamila através dos livros do clube de leitura da TAG, e fiquei bastante contente em saber que seria dela uma das leituras do mês de maio.
"Lar em chamas", publicado em 2021, é uma adaptação moderna de Antígona, de Sófocles, e traz a história de três irmãos de familia paquistanesa na Inglaterra contemporânea. Adeptos ao Islamismo, a família vive os dilemas de viver a religião em um país cristão, mas especialmente uma Inglaterra amedrontada a partir de eventos relacionados a grupos extremistas islâmicos, os quais corroboram para uma crescente xenofobia contra muçulmanos. Vale lembrar que a comunidade paquistanesa na Inglaterra é a maior comunidade muçulmana no país, com mais de 600.000 pessoas.
O livro então nos mostra três grandes facetas dessa comunidade. Através dos irmãos Isma, Aneeka e Parvaiz, Shamsie nos apresenta as diversas questões de ser muçulmano em um país europeu. Isma, a irmã mais velha, luta para manter os ideias e costumes da religião. Segue a risca o uso do hijab e cuida, a partir da morte da mãe, de seus irmãos mais novos. Porém, aos 28 anos muda-se para os Estados Unidos para cursar seu Doutorado. Podemos então imaginar quais as complicações que a personagem vive ao mudar-se para um país que ainda guarda um rancor profundo em relação às questões muçulmanas.
Os gêmeos Aneeka e Parvaiz, naturalmente muito ligados um ao outro, vivem na constante dualidade entre viver seus princípios islâmicos ou se deixarem levar pelos costumes ocidentais. Aneeka é sagaz, decidida e raramente abaixa a cabeça para situações e pessoas. Devido a essa sua personalidade, acaba se envolvendo com o filho do Ministro do Interior, Eamonn, com a finalidade de ajudar alguém muito importante em sua vida.
Parvaiz, o menino que capta a sons do mundo em seu gravador, tentar reviver sua história inacaba com seu pai ausente, um guerrilheiro jihadista do Estado Islâmico e que morre enquanto é transportado para a prisão de Guantanamo, pelo exército norte-americano. Suas histórias irão se cruzar a partir de seu recrutamento do Estado Islâmico.
O livro, inicialmente enfadonho, vai ganhando ritmo a partir do momento que as histórias das personagens vão se cruzando. A escrita de Kamila é simples, porém traz uma visão que nós, ocidentais, certamente nao teríamos acerca das questões abordadas no livro. É, dessa forma, um prisma, um lugar de fala importante para que possamos também repensar em nosso próprios conceitos e preconceitos sobre o Islamismo, a questão das mulheres islamocas e do poder da família nessa religião.
O desfecho.. dói!