LETRAS e VEREDAS 22/09/2021Casa de dia, casa de noiteDotada de uma poética marcada pela
digressão e intensa desconfiança dos discursos lineares, a escritora polonesa Olga Tokarczuk é considerada umas das principais escritoras de nossos dias.
Inédito no Brasil, ?Casa de dia, casa de noite? nos transporta para a vida da pequena cidade de Nowa Ruda, localizada na fronteira entre a Polônia e a República Tcheca, onde seus habitantes ocuparam as residências abandonadas pelos alemães no final da Segunda Guerra Mundial. Narrado por uma mulher que não tem seu nome revelado, são relatadas pequenas e delicadas narrativas do cotidiano e da história dos habitantes de Nowa Ruda. A narrativa de Tokarczuk é fragmentada, sem um enredo definido, mas fundada num senso unidade que mescla o real com o mito.
Considerado o primeiro romance-constelação de Olga Tokarczuk, ?Casa de dia, casa de noite? é uma narrativa fragmentária, sem um enredo definido, mas fundada na necessidade de integrar uma multiplicidade de vozes, fundindo ficção, crônica, relato religioso, memórias e mito. Esse estilo ?constelar? resultou em sua principal obra, ?Os Vagantes? (Editora Tinta Negra), infelizmente fora de catálogo no Brasil.
Das personagens que integram esse mosaico narrativo, destaca-se Marta, uma mulher fascinante capaz de expressar a sua sabedoria a partir da noção de que tudo o que é humano fundamenta-se numa contemplação interior e numa devotada experiência diária - para parafrasear uma frase de Thomas Mann. Vale registrar também a presença marcante de Paschalis, um jovem atormentado pelo desejo de se tornar mulher, que recebe o encargo de escrever sobre a vida de Kümmernis, uma santa que para escapar do casamento forçado orou a Jesus que a tornasse feia e repugnante e, como resposta ao seu pedido, cresceu em seu rosto uma espessa barba, dando-lhe feições análogas às representações tradicionais de Jesus, o que motivou seu pai a assassiná-la.
Confesso que esse "romance-constelação" não me arrebatou plenamente, tornando a sua leitura um pouco cansativa, quando não desgastante. Porém, reconheço que há passagens comoventes e poéticas que podem cativar quem se aventurar por sua leitura. De qualquer modo, recomendo!