Qualquer lugar menos agora

Qualquer lugar menos agora João Paulo Cuenca




Resenhas - Qualquer lugar menos agora


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Emerson Dylan 05/12/2021

Cuenca em seu melhor estilo
Gosto muito dos romances do J.P. Cuenca, mas nenhum deles chega perto de suas crônicas: eu acompanho na mídia já há alguns anos a produção daquele que, pra mim, é o melhor cronista da contemporaneidade. Ver um conjunto grande desse material - principalmente de um campo em que o autor domina tão bem, que é a crônica de viagem - reunido em livro é um verdadeiro deleite.
Sem poder viajar por conta da pandemia, podemos passear com o autor por ruas diversas, galerias de arte, danceterias, cyber cafés e até por barbearias de lugares tão distintos, como Berlim ou Hanói, com o mesmo prazer. Nessas páginas chovem referências, analogias e impressões sem nunca deixar escapar o arguto olhar observador de Cuenca. Há um certo mergulho em cada local que mescla, ao mesmo tempo, a curiosidade do viajante em viver o lugar onde ele está e a sua angústia em não pertencer ao lugar de onde ele vem. Essa característica frisa que o autor é um viajante, não um turista. Ao cabo dessa viagem literária, que apesar de ser uma leitura rápida é mais proveitosa sendo digerida vagarosamente, a única opção possível é recomeçar.
Anthony Almeida 20/05/2022minha estante
Uau! Cuenca é mesmo muito bom. Coloco ele no Top 5 dos contemporâneos. O melhor mesmo é Luís Henrique Pellanda, conhece?


Alê | @alexandrejjr 28/10/2022minha estante
Vocês curtem o Antonio Prata?




Anthony Almeida 31/07/2022

Em qualquer lugar, imediatamente!
Qualquer lugar menos agora (2021)
de João Paulo Cuenca | @jpcuenca
e Editora Record | @grupoeditorialrecord


Em 2021, pico da pandemia de covid-19 no Brasil, João Paulo Cuenca decidiu nos trazer algumas crônicas para os tempos de quarentena, com 'Qualquer lugar menos agora', lançado pela editora Record. Estamos, então, diante de mais um livro nascido no contexto da peste, marca que certamente seguirá presente nas obras literárias desta década de 20, principalmente na crônica, gênero textual que se alimenta das vivências do cotidiano.

Mas, calma, não é a pandemia a vivência que norteia os textos. O termo covid-19 sequer aparece ao longo das 238 páginas e 59 crônicas. Pandemia é uma palavra empregada uma única vez, na orelha escrita por Flora Süssekind. Quarentena, outro substantivo cotidiano no início da década, por sua vez, aparece apenas três vezes: no subtítulo do livro, presente na capa, folha de rosto e folha de referência bibliográfica.

'Qualquer lugar menos agora: crônicas de viagem para tempos de quarentena' é justamente uma proposta de fuga do agora pandêmico. Viajamos com Cuenca por suas andanças e observações sobre o mundo. Negamos a realidade da pandemia sem nos tornarmos negacionistas. Com a leitura, vamos imediatamente para qualquer lugar. A imersão, inclusive, é uma das qualidades da sua prosa cronística. Seus primeiros parágrafos, escritos no presente, mesmo que a vivência tenha sido há quinze anos, nos jogam no cenário com uma riqueza sinestésica que torna a leitura prazerosa e, além disso, eficiente em nos tirar do lugar-agora.

Vamos a um mercado de peixe na Coreia do Sul de 2016: "O mercado de peixe de Noryangjin é conhecido como o maior da Coreia do Sul e, para padrões de Seul, é uma construção antiga: um galpão de 1971. Em seus 60 mil metros quadrados de corredores de concreto molhado sob luminárias amareladas, há aquários com peixes e crustáceos, moluscos, lesmas marinhas, ovas e arraias. Muitos vivos ? e alguns servidos assim, como o filhote de polvo que desce movendo-se pela sua garganta".

Após o deguste e, com um simples folhear de páginas, vamos ao céu do Peru de 2009. "Durante a maior parte do ano, o céu de Lima é branco, carregado por nuvens baixas. A ausência de luz faz com que o tempo pareça não passar durante o dia. Ou pelo menos não fisicamente ? a luz das onze horas da manhã é igual a das cinco da tarde". Deste céu, vamos até outro, no verão sueco de 2014: "Vim à Suécia em busca de luz. No verão, há partes do país em que o sol nunca se põe. Em Estocolmo, temos algo parecido com um lusco-fusco, mas nunca anoitece completamente. O que se vê é uma 'hora azul' que se cristaliza às 11 da noite e, a partir de uma da madrugada, transforma-se num muito longo amanhecer".

Madrugamos na Suécia e podemos perambular por muitas outras madrugadas do mundo. Um dos voos de originalidade do eu-do-cronista de J.P. Cuenca está na sua vida noturna. Dançamos uma música lenta numa boate em Cabo Verde. Curtimos um show entre os vestígios do Muro de Berlim. Cantamos num karaokê e vagamos pela noite japonesa. Perdemos o trem e dormimos num hotel cápsula. A pernoite garante um cupom de desconto para a noite seguinte. Mas não dormiremos. Vamos em busca dos bares, afinal, "o estrangeiro só começa a tomar para si uma cidade quando escolhe o seu bar".

As viagens de Cuenca, também nossas, vão além das noitadas. "Viagens são como contos. Tanto quem os lê quanto quem os escreve aguarda algo fortuito, a história de uma mutação, um novo destino. Não escrevo sobre turismo, mas sobre viajar, o que sempre esconde a esperança de uma epifania ? algo que o guia ou o testemunho do cartão-postal não vai oferecer", escreve, em mais um parágrafo inicial, direto de Zagreb, numa Croácia de 2014.

Durante essas andanças, João Paulo relata vivências de episódios específicos, mas também reúne coleções e faz inventários interessantes, como as próprias notas de Zagreb, sobre a experiência da escrita de viagem. Há uma enciclopédia de bares, uma turnê mundial de karaokês, um álbum de pistas de dança, um relato de turismo capilar, outro sobre flanar em passeatas de protestos e uma antologia pessoal sobre os momentos entre o embarque e o desembarque nos aeroportos. Tudo descrito sem a intenção de ser apenas um guia turístico chato e cheio de referências sobre lugares desconhecidos e desinteressantes. As tramas são construídas e permeadas pelas sensações e sentimentos que o viajar nos desperta.

Foi massa viajar com Cuenca. Gosto de flanar pelos livros de crônicas e leio os textos em ordem aleatória. Depois, marco uma bolinha no sumário, para indicar os textos já lidos. Também rabisco um + ao lado da bolinha, quando a crônica fica comigo por muito mais tempo. Marquei a adição em 21 crônicas. Isso não é comum. Em geral, são menos de 10 por livro. É que, como flâneur que também sou, me embriaguei pelos caminhos flanados por João Paulo.

'O flâneur paulistano', crônica em que ele perambula com Fabrício Corsaletti, outro cronista flâneur, é uma das que se passam no Brasil. Juntam-se a ela uma Mossoró de 2007: "estou na garupa de um mototáxi sob um sol inclemente, a cerca de 3 mil quilômetros do dilúvio carioca. Os pneus da motinha desembestada rasgam o couro da terra seca, que gruda em generosas porções nos meus olhos, narinas e cabelos. Sobre nós, há um céu azulado, sem nuvem, sem variação de tonalidade..."; um Rio de Janeiro de 2014, pelo olhar de uma estrangeira; Imperatriz do Maranhão, em 2008, e São Paulo, mais duas vezes. Qualquer lugar pode ser até mesmo aqui, desde que não seja agora.

Em sua primeira coletânea de crônicas, 'A última madrugada' (Leya, 2012), Cuenca, carioca de mãe, argentino de pai, se desafia a construir um Rio de Janeiro pelos olhos de um cronista flâneur do século XXI. Desafio tenso, já que a cidade já foi flanada e cronicada por sujeitos como Machado de Assis, João do Rio e Rubem Braga. Neste agora, sua perambulação é pelo mundo e ele se sai muito bem nas duas iniciativas. Desde 2015, o escritor vive em São Paulo e as suas crônicas paulistanas nos atiçam a sonhar com este lugar em vários dos seus agoras. Seria uma contribuição danada à crônica brasileira.

RUBEM, 30 jun. 2022.

resenha de Anthony Almeida | @anthonypaalmeida
Leia outras resenhas em @revistarubem
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Biblioteca Álvaro Guerra 01/11/2022

O trânsito crítico do escritor por tantas cidades e continentes (com frequentes analogias ao contexto brasileiro), e realizado num passado ainda tão recente, parece intensificar a consciência da ruptura nos hábitos cotidianos e no horizonte coletivo de expectativas impostas pela pandemia e, no Brasil, ampliada pelo movimento de "desdemocratização" vivido desde 2016.


Livro disponível para empréstimo nas Bibliotecas Municipais de São Paulo. Basta reservar! De graça


site: http://bibliotecacircula.prefeitura.sp.gov.br/pesquisa/isbn/9786555872897
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Marcos 03/11/2024

Crônicas em tempos de pandemia, mas ela está no subtexto, escondida, como uma justificativa para a solidão que permeia todos os textos e crônicas que vão além da cela de uma casa em um período tão turbulento e quieto ao mesmo tempo como foi aquele.

Cuenca sai do exílio imposto pela doença e viaja para outros lugares, não tão perto, não tão longe, passeando por lugares muito conhecidos e reconhecíveis e buscando detalhes imperceptiveis à maioria.

"Durante a maior parte do ano, o céu de Lima é branco, carregado por nuvens baixas. A ausência de luz faz com que o tempo pareça não passar durante o dia. Ou pelo menos não fisicamente ? a luz das onze horas da manhã é igual a das cinco da tarde".

"Vim à Suécia em busca de luz. No verão, há partes do país em que o sol nunca se põe. Em Estocolmo, temos algo parecido com um lusco-fusco, mas nunca anoitece completamente. O que se vê é uma 'hora azul' que se cristaliza às 11 da noite e, a partir de uma da madrugada, transforma-se num muito longo amanhecer".
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