Stella F.. 22/07/2022
Assassinato brutal
A SANGUE FRIO – TRUMAN CAPOTE – EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS - 2003
A ideia de A Sangue Frio, lançado em 1966, nasceu de um pequeno anúncio no jornal New York Times que Truman Capote estava lendo e ao se deparar com ele, pensou que poderia lhe render uma boa história, um romance de não ficção, diferente de tudo que já tinha sido feito até o momento.
“Truman Capote nunca fez do jornalismo a sua principal atividade profissional. Foi sempre basicamente um escritor, um escritor que vislumbrou nas técnicas jornalísticas a possibilidade de trabalhar com uma dimensão diferente da ficção convencional.” (posição 6557)
Para isso segue em direção a Holcomb, uma pequena cidade do Kansas, com a intenção de entrevistar as pessoas e saber como o assassinato brutal de quatro membros de uma mesma família em novembro de 1959, os Clutter, impactou uma cidade tão calma.
Passamos o último dia da vida dos Clutter acompanhando suas vidinhas normais, cada um com suas aspirações, problemas de saúde, personalidades, seu papel dentro da família e da sociedade local, além da descrição do entorno da casa, dos vizinhos, amigos e um pouco da história do surgimento desse lugarejo com tão poucos habitantes. Conhecemos o Sr. Clutter ou Herbert com sua determinação, a Sra. Clutter ou Bonnie com seus problemas de saúde sempre internada, Nancy amiga solidária e solícita e Kenyon, um menino tímido que gostava de trabalhar a madeira e fazer pequenos consertos. A casa e a disposição dos cômodos nos é apresentada detalhadamente, o que vai ser imprescindível no futuro quando acompanharmos o deslocamento dos assassinos.
Ao mesmo tempo nos são apresentados os assassinos, Perry Smith e Richard Hickcock (Dick). Conhecemos suas famílias, seus problemas, sua vida pregressa (prisões, roubos, assassinatos, mulheres, estudos). Acompanhamos toda a movimentação deles, o encontro, a revisão dos planos, a compra do material necessário para ter sucesso no plano de invadir a casa dos Clutter e de lá tirar todo o dinheiro que acham que existe dentro de um cofre. Após a invasão, a busca incessante pelos assassinos ocorre, e aos pouquinhos vemos os xerifes seguindo as pistas e os encontrando. E na prisão teremos a confissão e a total falta de arrependimento e a descrição crua do que ocorreu de fato. No tribunal são julgados culpados, mas há exames psiquiátricos, prorrogação no prazo da sentença final de enforcamento, e toda uma avaliação psicológica e psiquiátrica sobre o perfil de cada assassino, com base no que se sabia na época.
“E Hickock disse: “Foi Perry Smith que matou a família Clutter.” Ergueu a cabeça, e endireitou lentamente o corpo na cadeira, como um lutador nocauteado que se esforça para reerguer-se. “Foi Perry. Não consegui fazer ele parar. Ele matou todo mundo.” (posição 4336)
“E Perry disse: “Se eu me sinto arrependido? Se é isso que você quer saber – não. Não sinto nada. Bem que eu queria. Mas nada daquilo me incomoda nem um pouco.” (posição 5418)
O livro tem uma dinâmica muito boa: um livro de suspense, de psiquiatria, de jornalismo, de ficção, de romance, de assombro, de medo, de empatia. Sim, empatia! Porque ao assistirmos ao ótimo filme Capote (atualmente no Prime Vídeo) nos deparamos com o autor do livro inserido como personagem e vemos seu movimento na realização do seu livro da vida, seu livro de maior sucesso. E junto à sua excentricidade, o vemos sentir uma empatia pelo assassino Perry Smith que teve uma vida parecida com a dele, e o autor sofrendo com a chegada da morte do “amigo”, mas ao mesmo tempo, uma necessidade dessa morte para o término do livro.
Um livro forte, um assassinato descrito com frieza, que pode ser lido como um livro de suspense. Excelente!