spoiler visualizarbelzinhaa0 16/07/2024
A contraposição: choque de realidade
Sequestro. Essa é a primeira cena que ocorre no livro e causa um choque nos leitores, um choque ainda maior acontece ao longo da leitura quando nota-se a presença de outra narradora -particularmente eu achei sensacional essa dinâmica de revezar narradores capítulo a capítulo, nunca havia lido nenhum livro assim- e a partir disso a narrativa discorre priorizando principalmente a diferença entre os dois pontos de vista, a desigualdade que fica nítida por meio das preocupações e motivações de cada personagem.
Achei a Maju uma personagem periférica muito bem representada, sua história é tão vivida que você sente o desespero dela, confesso que inicialmente não entendia as motivações do ato de sequestrar Cora, mas quanto mais descobria-se o passado mais a imagem dela ficava clara. Só fazer uma análise psicológica tomando por base a sua infância, a solidão de perder a mãe e no fim também perder a vó, tudo o que ela sofre (que al iriás não é uma realidade tão distante na vida das mulheres) faz com que ela se reflita na Cora, sua motivação é tratá-la como ela queria ser tratada e também com o amor que Fernanda não oferecia, o tempo que ela não tinha e a filha que desconhecia. Essa hipótese se comprova no meio do livro, qual Maju resolve devolver Cora, não só por tudo estar dando errado, mas principalmente pelo medo(que é um fator importantíssimo no livro). Pois ela não tinha medo de morrer mas sim de abandonar Cora.
Esse medo que foi sua motivação desde o início culminou por também ser o fim do enredo dela:
"Se abotoo o paletó, ela vai parar em algum orfanato ou acabar sendo sirigaita ou doméstica de alguém. Vai ser mulher num casulo, bicho-de-seda que pode secar dentro da casca que ninguém vai perceber.. é isso que você quer pra essa menina, que ela seja que nem..." p.138
Por outro lado, as partes que a dona Fernanda narra HAJA PACIÊNCIA!!!
É muito custoso ler os capítulos dela, cheios de rodeios que ao decorrer do livro se tornam exaustivos, não há necessidade alguma em terem tantas cenas de "hoka-hoka", e aí tantas coisas acontecem, os jacarés?a cena da vacina?o ayahuasca? as visões? a parte do shopping???O lado da Maju é totalmente compreensível, mas os erros da Fernanda deixam muito a desejar, enquanto sua própria filha está desaparecida você só se preocupa com sua amante??
Eu gostei da "representatividade" no romance sáfico porém achei o desenvolvimento dela muito porco, com cenas desnecessárias. Esperava um enfoque maior na relação conflituosa com o Cacá, mais desenvolvimento na relação dela com a própria mãe (que só é citada raras vezes e tem UMA aparição). Todos esses desenvolvimentos da trama ajudariam a demonstrar melhor a disparidade de classe e pontos de vista com a Maju, o enredo da Fernanda fugiu muito dessa proposta e não aproveitou diversas coisas que poderiam ser exploradas.
Em suma, o livro é bom e cumpre bem o papel de gerar reflexões, embora certas partes deixem a desejar, achei o final satisfatório porque deixa uma sensação de curiosidade em saber oq ocorre depois, um estado de choque. O livro todo é um choque de realidade, por assim dizer.