leitorcallado 20/08/2023
Um livro para ler, refletir e repensar nos mínimos detalhes
Esse é um livro de muitos pontos, tanto pelo conteúdo abordado, quanto a forma que se aborda. Primeiro: se faz prudente ter noção de quem o leitor lerá, e este autor é um empresário com ideias liberais. Parece mero detalhe, mas sabendo disso ? e tendo noção de como isso impacta o ponto de vista predominante no livro ? é necessário ter precaução e agir com senso crítico a cada momento, caso você não se encaixe na mesma categoria dele.
Quase não tive muitas divergências quanto ao tamanho do Estado pros favorecidos, os amigos dos governantes, e a ausência aos miseráveis; de fato, a farra que se protagoniza com o dinheiro dos contribuintes, que pagam altíssimas alíquotas em troca de quase nada, é algo que praticamente todo brasileiro concorda. Os dados que ele apresenta sobre a gestão pública, mas não simpatizei com as propostas, típicas de quando ele encerra o capítulo. Admiro seu esforço em colocar sua mente pra pensar soluções, mas minha admiração se restringe a isso, em vista que a apreciação de ideias nem sempre faz muito sentido. Por que uma paixão tão grande pelo setor privado? O autor sonha com a privatização de todas as empresas estatais, deixando-se de olvidar (ou sabe e ainda outorga) que nem todas as privatizações resultaram bem no Brasil. Apesar da inspiração nos estrangeiros para realizar ações aqui, não se pode confiar apenas nisso; cada caso é um caso. A privatização da Telebras foi exitosa, mas o que dizer da Vale, que carrega dezenas de mortos nas costas? E nos exemplos estrangeiros, quando se admira a DHL (resultado da privatização do correio alemão, o qual apresentava serviço insatisfatório similar ao brasileiro), mas se observa um fracasso no argentino.
Ademais, faz sentido sim não entregar tudo que pertence ao Estado à iniciativa privada. É entregar o país e as riquezas (a Petrobras só consegue ser tão rica porque explora o que nosso país possui, obviamente) aos ricos e deixar o Estado apenas na tutela, sendo obrigado a respeitar o livre mercado. O autor nega tal emblemática colocação, a dizer que não é um atentado à soberania nacional; diga isso ao Estados Unidos, exemplo tão utilizado, que ainda assim mantém algumas estatais (inclusive de correios!).
Pior ainda é jogar a questão das drogas, tão séria e preocupante no retrato atual, à iniciativa privada pra que produza condições de drogas melhores e legalize todas, inclusive as mais pesadas. Isso me deixou perplexo e inacreditado, como pode ser tão focado e obsessionado pelo lucro a ponto de jogar isso como um fator meramente econômico?
Preocupou-se também certa distorção em apresentação de dados, como "os brasileiros não são simpáticos à criação de novos estados" e aproveitando a rechaça paraense a Tapajós e Carajás. Ora, a maior parte dos paraenses vive no Pará, que por egoísmo, deu um massivo Não a criação de estados tão importantes àquela região. Nas cidades que seriam capitais deles, o Sim venceu disparado. Aquela população sabe o que passa e como é negligenciada pelo governo de Belém.
Quiçá você se aterrorize na derrocada de todos os direitos trabalhistas que ele prega, deixando à mercê sua e da boas ganas do patrão, sem intervenção do estado pra garantir nada (ele deixou claro); ou você celebre, caso venha a lhe beneficiar sendo assim. Ao se queixar do moedor de pobres, o autor desafortunadamente "esqueceu" desses Brasis que há pra cada classe, com um Índice de Gini escancarando que temos riquezas suficientes pra prover uma renda per capita maior, porém pelos interesses e ganâncias da elite que detém um porcentual assombroso das riquezas em sua mão. Ao condenar o funcionalismo público por ele ter benefícios e salários melhores, com o Estado tirando dos humildes a dar pra abastados (e nisso o autor está certo), ele também deveria ter criticado a estrutura que dista um rico do pobre.
A propósito, quando ele reclama das queixas latino-americanas por tanto culpar o colonialismo e usa a Nova Zelândia ? pasmem, um exemplo de país colonizado para habitar! ? ele deixa de lado o fato que fomos explorados para extração de riquezas (o nível que ele debruçava era tão preocupante que por pouco achei que negaria o roubo dos portugueses aqui) e de qualquer jeito formado sociedade, desordenadamente e na luta contra os ferozes ibéricos. Sabe algo interessante? É quase uni a devastação que os europeus trouxeram às colônias americanas e africanas. Será coincidência? É falta de mentalidade progressiva dessas pessoas? É costume, presunção, paternalismo do estado? Os europeus não só arrasaram como ainda arruinaram a vida de milhões de africanos (recorde o genocídio dos tutsis pelos hutus apoiados pelo governo francês em pleno século XX!).
Em grandes momentos de lucidez, ele soube que a importância de se tributar mais o rico que o pobre, há algo que não tenho o que criticar: ele sabe que tem muita gente humilde e necessitada nesse país que depende, inclusive, do assistencialismo, pra dar a voltar por cima. O jeitinho de se manter e acomodar nas tetas do Estado é que dana a ideia, e isso posso ver com casos reais perto de mim.
O autor apresenta muitas ideias boas, como o enxugamento da máquina pública tão necessária e a descentralização ? um sonho meu, com Brasília pesando menos e os municípios ganhando mais autonomia. Gosto muito do Ranking dos Políticos, acompanho e uso de base para as eleições, e não sabia que foi fundado pelo CEO da Multi. Fico feliz em saber que ainda tem empresário de bem disposto a mudar o Brasil.
É um livro que em suma acaba proveitoso, mas com ressalvas. Eu não voltaria a ler, mas recomendaria a depender do perfil ideológico da pessoa.