arbivara 14/04/2022
Uma resenha para enxadristas duma biografia voltada também para não-enxadrista
No geral, uma boa obra.
Ela se concentra primeiro na infância de Bobby e finalmente no período após o título mundial (com uma breve passada no match em si). Assim há pouco xadrez propriamente dito. O match Fischer x Spassky é certamente o evento enxadrístico sobre que há mais livros escritos, então essa parte está ok não ser tão extensiva, mas é uma pena - para o enxadrista ao menos - não ver mais da fantástica ascensão do campeão. Isso não constitui um defeito, apenas reflete uma opção do autor. No geral a pesquisa foi muito bem feita e encontrei apenas um erro fatual no livro: nunca houve o ato cerimonial de deitar o rei na 21a partida, Spassky abandonou por telefone, antes da retomada da partida suspensa e Fischer foi informado disso pelo árbitro. É bastante possível que o roteirista estivesse ciente disso e que essa tenha sido uma escolha dramática.
Todos os méritos à arte do brasileiro Wagner Willian. Também sua pesquisa foi muito bem feita. Várias das imagens que usou de referência são imediatamente reconhecíveis. Ainda assim, ele consegue impor um estilo.
Para quem participou do financiamento coletivo, houve uma longa espera, ultrapassando um tanto a previsão inicial mas, na linguagem enxadrística, houve compensação material. Essa compensação veio na figura duma bela edição, impecável do ponto de vista físico,
O grande senão são falhas técnicas (enxadrísticas) na tradução. Nenhum demérito ao trabalho da tradutora Dandara Palankof, mas faltou uma revisão técnica. Uma coisa não está clara para mim: a edição original era em inglês (como o título constante parece indicar) ou em francês (visto que editada em Paris)? De toda forma todos os indícios são de que a tradução foi feita do inglês, o que é uma pena, já que o contrário tenderia a diminuir esses erros técnicos. Por exemplo, traduzida do francês, dificilmente a Fide viraria "Federação Mundial de Xadrez" mas sim "Federação Internacional de Xadrez". O indefectível "rainha" para designar a dama está lá, o que incomoda como um carrapato, mas não compromete a comprensão. Agora (supondo que o inglês esteja correto nesse caso) a tradução tanto de "game" quanto de "match" (que no xadrez refere-se a uma série de partidas e usualmente não é traduzido para o português) para partida, torna impossível para quem não possui o conhecimento histórico diferenciar entre um caso e outro, tornando a leitura de alguns trechos muito confusa.
Por fim, numa nota personalíssima, registro que foi uma felicidade ter contato com essa obra no ano do cinquentenário do match de Reiquiavique.