Coruja 19/12/2011Normalmente leio primeiro o livro antes de partir para uma adaptação. Norte e Sul foi um daqueles casos em que fiz o caminho inverso: primeiro (e já faz algum tempo) assisti a série e só depois (muito depois) fui atrás do livro. Mais de uma vez cheguei a colocá-lo – em inglês, pois ainda não tinha saído a tradução – na minha cesta de compras. Sei lá porque motivo eu acabava tirando ele na hora de ir para o caixa; o caso é que, no começo do ano encontrei a versão bilíngüe numa promoção e comprei antes que decidisse priorizar algum outro título.
Antes de lê-lo, conheci outra obra da autora que também já resenhei aqui – o divertido Cranford. Ainda assim, embora já tivesse tomado contato com o estilo da autora, acabei estranhando um pouco de início.
Exlico... tendo conhecido Gaskell primeiro por suas adaptações em série pela BBC, tinha a impressão de que ela era uma autora análoga a Austen... e claro, não podia estar mais errada.
Elizabeth Gaskell viveu e escreveu em plena Revolução Industrial e assistiu de perto às transformações sociais que ela ocasionou. Isso transparece bem em Norte e Sul, cuja trama se passa no Norte fortemente industrializado da Inglaterra, na cidade de Milton, um pólo têxtil conhecido. Seu herói é Mr. Thornton, um industrial que fez sua própria fortuna à custa de muito esforço e dedicação.
Essas mudanças estão presentes em todas as relações que Margareth Hale, a heroína, trava ao se mudar com a família para Milton – não é apenas com o rico Mr. Thornton que ela dialoga, mas também com os Higgins; o pai, Nicholas Higgins, um operário e representante do Sindicato e suas filhas, uma delas doente em conseqüência da poluição industrial.
A sociedade pela qual todos esses personagens transitam não poderia ser mais diferente do que aquela que é o foco de Austen. E não apenas são diferentes em conteúdo, mas também em estilo – Gaskell pertence integralmente ao Romantismo, ela é intensamente descritiva, sés personagens são passionais e a ironia está praticamente ausente.
Não digo isso para desfavorecer Madame Gaskell, mas para que vocês não se enganem e levem gato por lebre. Gaskell tem seus próprios (grandes) méritos – ela é ágil, apaixonante, capaz de criar personagens desde adoráveis (como as boas senhoras de Cranford) a profundos retratos do caráter humano (e tanto Margaret como Thornton como Higgins se encaixam aqui).
Você pode lê-la pela paixão que a figura régia de Margaret inspira em Mr. Thornton; para compreender as mudanças sociais e conseqüências imediatas trazidas pela industrialização; para assistir o início dos sindicatos ainda imbuídos do sentimento de união e solidariedade; para acompanhar a maneira com que relacionamentos e gestos simples são capazes de mudar as pessoas... está tudo lá, para todos os gostos e objetivos de leitura.
Como se não bastasse tudo isso, Norte e Sul nos dá um dos protagonistas masculinos mais apaixonantes de todos os tempos. Por vezes brutal em sua sinceridade, firme em seus princípios e eletrizante em sua devoção por Margareth, Mr. Thornton é irresistível.
Em relação à minissérie da BBC, a história sofreu uma série de alterações, mas achei-as bastante positivas: o início do livro mergulha bem mais no cotidiano da família Hale antes de se mudar para Milton e, para ser sincera, Mrs. Hale, a mãe de nossa protagonista, é quase que insuportável nessa primeira patê. O final também foi alterado, mas creio que os dois funcionem muito bem para as mídias (e públicos) a que se destinam.
Minha única crítica é à versão brasileira... considerando o preço do livro, acho que podiam ter feito um trabalho de revisão melhor. Mesmo numa leitura, o número de erros de digitação salta aos olhos. Espero sinceramente que em futuras edições corrijam isso...
(resenha originalmente publicada em www.owlsroof.blogspot.com)