Michelly 14/11/2022Colagens biográficas e
autobiográficosPreciso justificar toda e qualquer forma de consideração quanto a obras que começo amando, e termino detestando.
Antes de tudo, o que me chama a atenção nesse livro é esta proposta: o relato, histórico, de mulheres (artistas), que circularam nos grandes centros urbanos. E fizeram do espaço urbano o objeto de sua obra. O que a autora faz é trazer a cena essas figuras, nesses grandes centros, em momentos de grandes destaques para a história mundial. De exemplo, cito a vida de George Sand, em meio aos conflitos travados durante a revolução francesa, ou Virgínia Woolf ao compor Mrs Dalloway, ao circular, ela mesma, pelas ruas de Londres.
Justifico, que adentrar estas figuras que a autora chama de "flaunese" tem chamado a minha atenção, de certa forma, não tanto pelo viés de identidade que a coisa se configura, mas muito mais pela relação entre sujeito e a cidade. Não serei injusta de afirmar que a proposta não foi feita, mas me pareceu abandonada. E, isto sim, foi decepcionante.
Reforço que da decepção, a coisa degringolou a tal ponto que passei a achar o livro meio bobinho.
E, novamente me justifico, uma vez que os dois primeiros capítulos são de uma profundidade interessante, mas a qualidade vem numa queda triste. Imagino que a forma como a autora tem se posicionado, dando pitacos, vez ou outra, de ordem autobiográfica de sua relação com a cidade, só me faz crer no quão difícil é abarcar o horizonte do que temos a frente. Afinal, o que move o nosso espírito quando estamos diante do estranho? O que move o espírito de grandes artistas, quando transferem para seus respectivos objetos, um sentido de realidade que aparentemente se firmava intransponível? Isto moveu um movimento, afinal. Surgiu a figura do demoníaco, do grotesco. Surgiu um estilo!
Na sua passagem por Tóquio, além de chamar a cidade de feia, crítica absolutamente TUDO. Mas, incrível, tenta corrigir isso e manter uma imparcialidade fingida ou desajustada, quando adere a ideia de "manter a mente aberta". Ela consegue, só para citar de exemplo, fazer considerações tão triviais, que se torna importante a aparição da MARCA de um caderno, assim como considerações sobre a mala "de rodinhas" que não é feita para circular em alguns espaços urbanos. E, eu juro, a coisa não para por aí. Reclama até mesmo dos turistas, sendo que ela também é. Nunca entendo o paradoxo do turista que reclama do turista.
Tudo soa pra mim como a clássica posição de classe: "Eu isso, eu aquilo, eu faço isso quando viajo, lá estava eu viajando, porque eu quero, porque eu sou, porque eu faço, porque eu odeio". A impressão que me deixa é que a posição de "flaneuse" que a autora tenta tomar pra si, é, de "subversiva" (exemplo: ?Em Veneza, não queremos ser obedientes demais"), mas o relato me deu a impressão de ser só consumista mesmo, daquele perfil "caçador de novidade".
Enfim, esta leitura me deixou de mau humor, mas não só. E nem vou usar do infortúnio pra justificar que o problema foi meu, porque nem expectativa criei. De qualquer forma, por fazer parte do time que defende a tese de que a crítica parte somente do que conhecemos, concluí a leitura e concluo reforçando que o único posicionamento histórico que ela traz, são as grandes artistas que compõe a história da arte. No fim deveria ter só ficado nisso. O livro teria reduzido umas 150 páginas, mas seria o suficiente pra causar conforto e admiração.
Até curto uma boa leitura de relatos de viagem, mas o ego inflamado nem sempre contribui para a construção desse tipo de narrativa.
E o final foi atropelado.