spoiler visualizarCamila 25/08/2014
Roda, Roda, Roda...
Lygia Fagundes Telles me impressiona. Lembro-me de ficar com um nome de livro guardado na memória ao visitar a biblioteca do bairro e quando ele reapareceu para mim, anos depois, transformou-se em um dos meus livros de contos preferido: chamava-se A Estrutura da Bolha de Sabão.
Ciranda de Pedra me apareceu logo depois daquela leitura. Primeiro romance escrito pela autora, publicado em 1954, Ciranda de Pedra é um livro forte e doce ao mesmo tempo.
Conta a história de Virgínia, de sua infância até o início da sua idade adulta. Menina desajeitada, sem lugar no mundo em que vive, sonhadora e abandonada.
O livro é dividido em 2 partes, não só em sua estrutura como nos acontecimentos da vida de Virgínia.
Na primeira parte, é contada a história da infância de Virgínia que se vê dividida entre duas casas e duas realidades diferentes. Ela mora na casa da sua mãe, Laura, que sofre de problemas psicológicos e já fora internada em sanatório. Nessa casa ainda moram Daniel - o médico da mãe e Luciana, a empregada. Luciana ama Daniel que ama Laura - aí temos a nossa primeira ciranda. Virgínia, criança, entra diversas vezes no quarto da mãe e acompanha poucos momentos de sanidade envoltos aos devaneios de Laura. Acredita que a mãe pode se curar, que pode voltar a ser casada com o marido, o dr. Natércio. Acredita ainda que poderá viver em um mundo idealizado, onde sua irmã mais velha e mais bela, Otávia, serve de modelo.
Na casa do pai, onde ela sonha em viver, há uma fontezinha de água cercada pela ciranda de pedra - os 5 anõezinhos de mãos dadas que nunca permitem que Virgínia entre na roda. Ela desde criança associa esses 5 anões à Otávia, Bruna (sua irmã religiosa), Afonso, Letícia e Conrado (por quem é apaixonada) - esses 3 últimos são vizinhos da casa do pai. É nesse lugar dos sonhos, onde ela nunca é aceita, que ela deseja morar, ser incluída nos passeios guiados pela governanta, a Frau Herta. Contudo, Virgínia acaba vivendo nesse mundo dos sonhos que nunca se realizam, porque nenhum dos outros personagens a aceita.
No final da primeira parte, uma reviravolta no enredo faz com que ela realize a sua vontade de viver com o pai. Mas quando esse lugar idílico vira realidade, revela-se que ela já não pertence a esse lugar também e ela pede para ser internada em um colégio de freiras.
Na segunda parte do livro, Virgínia está saindo do colégio e precisa voltar à casa de Natércio. O período de internação é descrito apenas pela presença de alguns personagens: a Irmã Mônica que a aconselha em momentos difíceis, a Madre que a separa da amiga de internato Ofélia por elas terem uma "amizade constante". Virgínia não sabe como será recebida em casa porque não manteve muito contato com a família durante os anos.
Ao chegar em casa, depara-se com o seguinte cenário: Bruna casada com Afonso e com uma filha; Otávia artista; Letícia tenista e morando sozinha e despertando comentários sobre sua vida misteriosa e Conrado longe de todos vivendo da herança dos pais.
Todos os olhos se voltam para Virgínia - moça letrada e culta que depositou nos estudos toda a sua solidão e desespero.
Nessa segunda parte, pode-se acompanhar o movimento de ciranda que cada personagem sofre durante a narrativa.
1) Bruna, a irmã religiosa que defende o pai Natércio contra a mãe que o traiu e perdeu-se na vida, castigada. Na fase adulta, ela tem um amante, tal qual a mãe, mas se acha superior por não ter feito um escândalo sobre isso;
2) Otávia, a pessoa desejada, a filha mais parecida com a mãe, é alheia a todos os acontecimentos da família. Prefere viver no mundo "sem tantas perguntas". A preferida de Frau Herta. Quando criança era cercada de regras e cuidados, na fase adulta vive como uma "artista marginalizada" e sem sucesso algum, porém com o dinheiro do pai.
3) Letícia, disputava o amor de Afonso com Bruna na infância. Torna-se tenista bem sucedida, que engana as apaixonadas adolescentes que giram ao redor dela.
4) Afonso, o projeto de vilão que não se realiza. Não consegue sustentar a família, sempre tem um gracejo que insinua os defeitos da ciranda de pedra perfeita. Ao final da narrativa parece mais uma vítima do que um personagem ativo
5) Conrado, a mocinha da história. É ele que espera, virgem, passivo e sem máculas, o retorno da mulher amada - SIM! Ele ama também a Virgínia mas nunca teve coragem de assumir (cócó!!!).
Virgínia é a única personagem que não tem seu destino como uma ciranda de roda em que se muda de posição mas não se escapa. Ela se envolve com Letícia, insinua uma paixão inexistente por Afonso, tem um caso com Rogério (amante de Bruna)e vive uma cena platônica com Conrado. Ela gira na ciranda, mas descobre que não pertence àquele mundo, mesmo sendo aceita agora por ele.
E o elemento que representa essa liberdade de Virgínia é a água que durante o livro aparece como pequena fonte brotando entre os anões, no fim da primeira parte vem como tempestade - ao ser-lhe revelados os segredos da família - e no fim do livro no rio livre que corre próximo às propriedades das famílias dela e de Conrado.