Che 25/09/2023
EDUCAR COM DIALÉTICA
Paulo Freire tem duas coincidências de data que vão fazer com que ele seja memorável pra mim, invariavelmente, por causa delas. Nasceu no mesmo mês e exatamente um século antes dos meus filhos: setembro de 1921. E faz(ia) aniversário no mesmo dia que eu.
À parte dessas coincidências, claro, importa mais a obra do autor em si. O pernambucano parte de uma premissa que parece simples (e o acerto dela está exatamente aí), mas surge como coisa de outro planeta pra muito acadêmico elitista selado na própria torre de marfim: a necessidade de descer do pedestal na pedagogia e falar o mesmo "idioma" que os educandos que você quer expandir a consciência, fisgando elementos da materialidade deles para então educá-los. No caso mais citado e emblemático, ensinar um pedreiro adulto a se alfabetizar usando palavras como "tijolo", não um sistema mecânico de aprendizado por banco de fonemas jogados de modo incompreensível e abstrato para os alunos.
Entendo esse método de Freire passível de aplicação não só para a alfabetização, mas pra tudo. É por isso, por exemplo, que se começa a conscientizar a classe para quem não entende nada de teoria marxista pela simplicidade e síntese fácil de MANIFESTO PROLETÁRIO do Capirotinho e não por um MANIFESTO COMUNISTA do próprio Marx. Um passo de cada vez e descer o pedestal, sempre. De preferência, usando elementos do universo de quem está sendo educado, para o educador se aproximar dele (e inclusive aprender junto com ele).
Essa travessia do pernambucano, em diferentes fases da vida, está descrita em episódios bons e emblemáticos na HQ. Como há quatro desenhistas diferentes para os quatro episódios, todos de mesmo roteirista, nota-se, entretanto, coesão no roteiro mas não no desenho. O penúltimo traço (de quando ele vai para a África) está infantilizado demais e o último é simplesmente preguiçoso, ao passo que os dois primeiros contos tem um desenho mais homogêneo e de transição suave e coerente.
Ou seja, "Paulo Freire - Presente" está longe de ser uma obra-prima e se pretende uma introdução simples e episódica ao que foi a vida dele, tendo sucesso apenas relativo nisso. Toda forma de defender a obra dele, ainda assim, é válida, visto como ele vem sendo contestado pela extrema-direita no mundo todo, muito mais pelos seus acertos do que pelas suas eventuais limitações. É talvez o autor acadêmico brasileiro mais referenciado no mundo todo até hoje, com justiça. E merece nossa afirmação, dada a atualidade do combate à torre de marfim e mecanização no ensino (inclusive no da política).