spoiler visualizarBárbara 09/06/2024
Alegoria político-social através de um mito grego
A versão da história de Ifigênia de Francisco Dias Gomes é uma releitura dos eventos ocorridos na peça Ifigênia em Áulide, de Eurípides, com um desfecho esperançoso para virgem.
Aqui, o autor reconta a clássica história grega como uma alegoria para problemas políticos e religiosos de sua época. Calcante, figura ilustre da Ilíada e diversas outras obras das religiões helênicas, representa o líder religioso que utiliza seu status santo e crença popular para manipular as massas e ascender em posições de poder, cometendo atrocidades em nome do divino para cumprir seus objetivos (o plano de assassinar seu opositor Nestor, destituir Agamemnon de seu trono ao fragilizá-lo com o sacrifício da filha e manchar a reputação de Aquiles, tirando-o como um louco). O paralelo com a realidade portuguesa, e consequentemente cristã, é evidente e, infelizmente, a problemática permanece atual.
Dias Gomes critica no drama a Igreja (ênfase em Igreja, e não religião, já que o discurso final de Nestor deixa claro que a personagem acreditava na justiça divina e alega que as ações de Calcante seria um ultraje ao Céu que protege e ampara) e o fanatismo cego de seus fiéis e líderes. Neste ponto, me lembrei bastante das críticas de seu contemporâneo Voltaire em Cândido.
Gostei bastante do desenrolar da história e a nova visão proposta pelo autor em um conto tão antigo, mas fiquei decepcionada com o final da peça. Nestor consegue convencer os seguidores de Calcante com meia dúzia de palavras e o conflito se encerra com ele sendo exaltado por todos. Não temos o desfecho do que acontece com o profeta após os eventos e nem a opinião das outras personagens importantes na peça (Aquiles, Agamemnon, Clitemnestra e até mesmo a própria Ifigênia. Deu a impressão de que a obra está incompleta.
Porém, foi uma leitura divertida e rápida. A linguagem, mesmo sendo antiga, é acessível e flui bem.