Drigo.Cardoso 05/03/2023
Jaz o popstar literário (que nunca existiu) brasileiro
Confesso que foi difícil vencer as 3 primeiras partes de O Diabo na Rua — essa parte que entendi com um prólogo, e que traça a psiquê da pessoa com a qual o leitor irá lidar no restante do livro — Um monólogo de devaneios, conceitos e preconceitos do personagem principal. Difícil porque, pessoalmente, cruzei meu caminho com pessoas bem parecidas — esses seres que brotam, ocasionalmente, em apenas 3 lugares do mundo: Curitiba, São Paulo e Porto Alegre (semelhantes existem em todo lugar, exatamente iguais, só nessas cidades do mundo), e são pessoas das quais nutro zero empatia. Então, ler este começo (e o restante) de O Diabo na Rua, foi como uma convivência forçada com esse tipo: o intelectual desajustado pseudo-suicida.
Vencido as três primeiras partes, o livro ganha um novo fôlego com o desenrolar de uma “aventura-catastrófica-que-só-poderia-acabar-como-acabou”. Aqui temos Pingo, um escritor em recente ascensão após o lançamento de seu premiado livro, uma alma que não se compreende e padece num ritmo alucinado rumo a autodestruição. Um personagem contraditório, cheio de confabulações pessoais que se contradizem, insano (ou não?).
João Lucas Dusi, tem uma escrita estupenda, pondo suas cartas na mesa logo no começo e deixando claro quem são suas influências, inclusive citando-as no livro (aqui, o autor empresta muito do seu conhecimento literário e cultural ao personagem), como Irvine Welsh, por exemplo... Inclusive, Pingo em alguns momentos lembra nosso amigo Bruce de Filth). É afiado no desenvolvimento da trama, e se utiliza muito bem do corpo do texto para auxiliar nessa sensação de delírio do seu personagens: capítulos muito bem-postos onde estão, com eventos que colocam um "?" na cabeça do leitor.
Alguns personagens parecem mal construídos, mas que depois ganham um novo verniz de possibilidades que permitem uma releitura, como Melissa que algum momento se veste de uma pegada "Chuck Palahniuk", e você se pega dizendo “huummm, ok... agora ficou bom, agora faz sentido”. Já outros, nem tanto: um traficante que empresta uma arma? Huunnn..
Por fim, os devaneios de Pingo, sobretudo suas contradições: o ateu que se vê cheio de cristandade cruel; o menino que odeia o pai, mas quer reconciliação; que pensa isso, mas depois pondera aquilo. Essa complexidade tão real da mente de todos nós é tão doce (e azeda) que faz de O Diabo na Rua uma deliciosa leitura. João Lucas Dusi, eleva a régua do que exigir de novos autores brasileiros.