Izabella.BaldoAno 29/03/2024
"por que ter um corpo se é preciso trancá-lo numa caixa, como um violino muito, muito raro?"
que feliz surpresa tem sido conhecer a escrita de Katherine Mansfield. dos contos presentes em Êxtase e Outros Contos, confesso que nem todos li somente uma vez. alguns revisitei e só depois de tê-los lido pelo menos duas vezes é que considerei a leitura finalizada. outros serão certamente relidos com o tempo. na verdade, o livro inteiro.
Mansfield tem algo de muito único em sua escrita. um elemento desse algo que notei na maior parte dos contos de Êxtase é que as cenas começam no comum do cotidiano e de repente se desmancham, numa temporalidade muito bem elaborada. não a toa: segundo os textos complementares do livro, a autora queria mesmo era seguir carreira de violoncelista e, sendo impedida pelo pai, destinou à sua escrita muito dos seus estudos musicais. a construção narrativa de Mansfield tem um quê de tonal, daqueles encadeamentos de acordes que nos inserem num jogo de tensão e relaxamento, de ininterrupta expectativa. seus textos têm uma cadência toda própria, nem sempre conclusiva; às vezes, ela simplesmente deixa no ar um acorde dominante, nos deixando ali suspensos diante da cena.
não atoa também é que tão conhecidos nomes da literatura inglesa repudiavam essa imigrante, a quem consideravam vulgar: vem pra incomodar mesmo uma mulher que não se tranca na caixa do seu corpo-violino e das conformidades sociais e que observa, analisa e escreve seu entorno com um ritmo tão preciso.
queria falar muito mais de Mansfield e de Êxtase, mas guardo pra que eu possa redevorar esse livro e, quem sabe, tirar muito mais dele pra mim.