Maria Gabriela 07/06/2024
Ao ler "Bro and the Beast", de L. C. Davis, tive a impressão de estar diante de uma fanfiction do Archive of Our Own, onde inadvertidamente esqueci de bloquear a tag relacionada à dinâmica alfas, betas e ômegas. Não é segredo que sou uma veemente crítica dessa temática, mas, ao ver a capa e ler a sinopse, ingenuamente pensei: "Isto não pode ser possível".
A sinopse foi a principal razão pela qual decidi iniciar a leitura, apesar do meu profundo desgosto pela dinâmica. Quando Brad, o "musculoso irmão da fraternidade" (sim, é assim como ele é descrito), se envolve em um acidente de carro, tudo parece estar perdido. Contudo, não: ele misteriosamente acorda no universo fantasioso da saga de livros favorita de seu irmão gêmeo, "The Wolf’s Mate"; sem saber como chegou a esse lugar e acreditando que tudo não passa de um sonho, Brad precisa encontrar uma maneira de voltar ao seu mundo originário, enquanto é bajulado pelo interesse amoroso da "protagonista" da história e alfa da matilha, Raul.
Sim, quase chorei de rir quando li essa sinopse e pensei: "Por que não?". Quase todas as minhas leituras no início deste ano me decepcionaram, então uma obra desse calibre certamente me divertiria. E, de fato, me divertiu no começo, pois é exatamente o cenário que se imagina ao ler uma fanfic de madrugada: um clichê com um enredo absurdamente fantasioso, mas que faz um excelente trabalho em lhe distrair momentaneamente, fazendo você esquecer que precisa acordar cedo no dia seguinte.
O que começou como uma leitura divertida terminou em desgosto. Iniciei a leitura despreocupadamente, rindo e me divertindo, convencida de que seria uma obra que não deveria ser levada a sério, porém, não foi o caso. Sinto que o autor escreveu os primeiros capítulos com uma paixão cativante, divertindo-se com o próprio enredo, e, em algum momento, pareceu acreditar que a obra poderia se tornar algo mais impactante.
O enredo é superficial. Os personagens são ainda mais. Juntos, formam uma combinação desastrosa. Embora a história seja divertida, apresenta falhas gravíssimas no roteiro para um primeiro livro. Enquanto lia, comentava essas falhas com minhas amigas: em um momento, Raul estava preocupado com uma possível guerra política entre territórios de matilhas rivais; em outro, mencionou a existência de vampiros — e isso nunca mais é abordado! Ele simplesmente estava falando sobre uma possível guerra política, olhou para o pobre ouvinte e disse: "Ah, sim, temos que tomar cuidado com os vampiros", e nunca mais voltou a falar sobre isso. Que vampiros? O enredo tentou introduzir uma rivalidade entre diferentes espécies de monstros? E, se é assim, por que os vampiros nunca mais são mencionados se são tão perigosos?
Para um primeiro livro de uma saga, o universo não está bem situado. O leitor não compreende quem são os habitantes da cidade — todos são lobisomens? A maioria é lobisomem? Há outras “criaturas”? Não há entendimento direto de como funciona a hierarquia do universo — obviamente, os personagens obedecem à hierarquia que a dinâmica estabelece, mas isso é levado em conta em casos de atividades laborais? Em laços familiares? Em relações de amigos ou cônjuges? O leitor não entende o passado dos personagens — é compreensível, mas sequer entrega uma porcentagem adequada para você entender exatamente quais são as motivações deles. Para um início de saga, é um primeiro livro muito raso.
Os personagens são confusos e extremamente irritantes. Com exceção do Brad, por incrível que pareça. O estereótipo de homem cisgênero, heterossexual, musculoso e galã de um filme adolescente é o único sensato. No início da obra, ele é insuportável, mas conforme se mostra um ser humano surpreendentemente decente e decide se livrar dos próprios preconceitos ao interagir com os gostos do irmão gêmeo, ele se tornou o melhor personagem do livro. E como dito anteriormente, o único sensato! É a única pessoa que, mesmo não pertencendo àquele mundo, olhou para a forma como os ômegas são tratados pior que lixo descartável e proferiu inúmeras vezes “Gurizada, isso que vocês estão fazendo fere todos os direitos humanos existentes”. Ele é um rei ao olhar na cara do Raul e falar que não precisa de proteção de um marmanjo qualquer, só porque o “destino quis”. É o único a olhar para essa categoria de alfas, betas e ômegas e falar abertamente “Gente, isso não é desculpa para ser um babaca e tratar os outros como nada”. Brad, estou com você para o que der e vier.
Eu odeio o Raul com todos os centímetros do meu pequenino corpo. Ele é evidentemente tóxico, nojento e desprezível. Desde que seus olhos recaíram sobre o Brad, as vozes da cabeça dele falaram que aquele homem desconhecido precisa ser protegido a todo custo, pois é um ômega fraco e indefeso. Irmão, o Brad quase quebrou a mandíbula de um terceiro no soco. Indefeso e fraco ele certamente não é. O Raul é a própria definição de como a dinâmica ABO só me dá nojo: é muito evidente que, neste primeiro livro, não há preocupação genuína pela segurança do outro, ou não é amor genuíno que ele sente; é apenas uma possessividade sem explicação plausível, respaldada na crença de “somos parceiros predestinados, logo, você deve pertencer a mim. Não importa se acabamos de nos conhecer, aliás”.
Não vou me alongar nos outros personagens, pois não são interessantes o suficiente (e considerando o lapso de tempo desde o término da leitura até a publicação desta resenha, não me recordo do nome de nenhum deles). E, sinceramente, não faz diferença. A presença deles serviu apenas para bajular o Raul, comentar o quão forte e poderoso ele é, e como o Brad tem que se ajoelhar e dar graças a Deus pelo Raul pensar em olhar para ele.
Infelizmente estou curiosa para saber se Brad e seu irmão gêmeo, Devon, irão voltar a se falar. Afinal, o início é a discussão deles, e o acidente indiretamente foi causado pela turbulência emocional de Brad ao pensar em como se desculpar adequadamente com a única pessoa que ele verdadeiramente ama. Mas, quando vejo os títulos dos outros livros da saga, eu me pergunto: “Será que eu aguento sete livros dessa saga?”. A resposta é um “talvez”, porque estou aqui para defender a sensatez do meu cliente, Brad.
Por um tempo, vou dar uma pausa na saga. Que os deuses literários me ajudem nessa jornada pelos meus gatilhos.