Luana1208 13/09/2023Um livro forte que merece ser lido
Ao longo no livro extrapolei um pouco das coisas pra minha própria história, como filha de família muito religiosa cristã e que rompeu com o ciclo de tradições. Claro que a situação do livro é muito mais complexa por envolver não só religião mais a cultura de todo um povo que foi dizimado. Comecei esse livro esperando identificar um pouco da minha vivência com a da protagonista e me deparei com o ponto de vista de uma geração mais velha nessa história toda de costumes e tradições, que seria a visão da minha mãe na minha própria história, em alguns trechos vi minha mãe escancarada na protagonista e foi bom pra entender comportamentos e ter mais empatia.
Vou fazer alguns comentários sobre a minha percepção em relação a temas do livro que me tocaram: ARTE, ESCRITA, RELAÇÃO MÃE-FILHA e TRADIÇÕES.
ARTE: Meliné (um nome que me encantou) é artista e não acredita que é, acha que só imita o que outros artistas fazem, mas em meio a um caos emocional que é jogada ela deixa brotar a arte mais profunda de si mesma e que a protege e acolhe, como um ninho, rodeada de lembranças de uma vida toda pautada nas tradições armênias. Fiquei tão curiosa pra ver esse ateliê e animada com amostra que ela participaria com essa instalação. Apesar do fim que o ateliê leva (e ai não falo mais pra evitar spoilers) fiquei esperando o momento que ela se veria como artista, ou que a instalação seria reproduzida, que fim deu o convite para que ela expusesse seu trabalho? Claro, por outro lado ela tava em ruínas, não tinha condição de fazer nada disso, mas ao mesmo tempo foi nesse estado em que ela produziu sua arte em forma de ninho – porque precisava.
ESCRITA: É muito interessante como a autora descreve a ruína gradativa do emocional de Meliné ao mesmo tempo que o corpo caí em ruína também. É desesperador as cenas de dor e crises de Meliné, tanto como as cenas de confusão mental e de autodepreciação. Um ponto genial e totalmente realista: o marido é o primeiro a chamar ela de louca e ela ouve como se fosse um adjetivo que a caracteriza dali em diante, sempre questionando sua própria sanidade. Apesar de muito pontos ótimos, pra mim a linha temporal perdida me dificultou a entender melhor a narrativa e como a protagonista se sentia em cada evento.
RELAÇÃO MÃE-FILHA: Ouvir sobre a avó de Meliné me deu um aperto no coração, já a mãe dela me deu uma raiva que mulher antipática e controladora, e ai vem ela, tentando construir uma relação diferente com a filha, mais saudável e mais livre das tradições. Só que em meio ao caos emocional e físico que ela se encontra a única coisa que ela tem é a filha e quando a filha começa a trilhar seu caminho (que é um caminho em desacordo com o que a mãe esperava) ela surta. A raiva que Meliné sente da filha durante a briga é palpável, e a que a filha sente também, atiram verdades e maldades uma na outra e dói nas duas. Nesse momento de abandono do que é mais dela do mundo, Meliné age exatamente como a mãe e dali em diante força uma vida muito mais presa e disciplinada pra filha, pra quê? Nem ela sabe... Porque tem que ser assim, porque me criaram assim e deu certo. No fundo é pra ter a filha de volta sendo só dela, no fundo é por amar muito e não querer ficar sozinha, de novo.
TRADIÇÕES: é engraçado a alternância do apego as tradições nas gerações de mulheres. A mãe de Meliné é a própria defensora das tradições armênias na Terra, já Meliné se abstém apesar de participar o mínimo mas não em profundidade de presença nem de conhecimento ou sentimento, só vai porque é tradição. E ai vem a Aline (filha da Meliné), totalmente distante das tradições armênias até se envolver com elas de maneira política, entendendo o genocídio do seu povo e o poder que o resgate das tradições tem, ao mesmo tempo entendendo a prisão que são essas tradições as mulheres da família, fadadas a sempre resgatar, forçar aos filhos a segui-la e repetir, repetir, repetir, carregando o grande fardo de manter a história de seu povo viva.
Meliné não entende muito bem toda essa abordagem política da cultura armênia nem o porquê ela precisa saber disso. Mas o inconsciente dela entende, ela fica profundamente abalada quando vê as histórias das mulheres armênias sem entender muito porque, ela vê o documentário das mulheres armênias que foram escravizadas em loop sem entender porque não consegue sair da cadeira, ela sonha com a avó com as tatuagens que viu nas mulheres escravizadas, ela houve em lampejos frases inteiras do documentário. O corpo dela entendeu, quanto mais ela entende mais degradado ele vai ficando, mais as crises e dores e confusões mentais aumentam. É angustiante. A cena final é sublime. Chega o momento que finalmente a consciência dela também entende tudo o que seu povo já passou e as mulheres da sua família passam e ela mesma passa. É muito forte!
Fica minha recomendação para ler esse livro de coração aberto. Primeiro pra conhecer sobre o povo armênio e segundo para nós, mulheres mais jovens, entendermos um pouco do que as gerações das nossas mães (se imersas em contextos conservadores) podem ter enfrentado.